"Bestseller internacional e considerado pela crítica um clássico da literatura latino-americana, A Casa dos Espíritos, romance transcendental de Isabel Allende, conta a saga da turbulenta e numerosa família Trueba, do Chile, com o seu patriarca angustiado e suas mulheres carividentes. Como as Mil e Uma Noites, trata-se de uma narrativa vertiginosa que se alimenta de si mesma e parece tender ao infinito. É no seu desfecho, entretanto, que se alcança o efeito trágico da obra cujo limite não é o esgotamento das narrativas, mas um golpe de Estado que metamorfoseia as narrativas em sangue nas sarjetas e as palavras em silêncio. Num panorama da história chilena que vai de 1905 a 19075, desfilam personagens como Esteban Trueba, latifundiário e senador; Clara, sua mulher carividente, como sugere o nome; e Alba, sua neta, jovem, socialista e, portanto, adversária do patriarca e de seus cúmplices. Ao combinar magia e sensibilidade, com a personalíssima visão do realismo fantástico, Isabel Allende consegue inserir A Casa dos Espíritos na respeitável galeria dos grandes romances da literatura latino-americana."
Autora: Isabel Allende
Gênero: Romance
Número de páginas: 448
Data e local de publicação: Rio de Janeiro, 2010
Tradução: Carlos Martins Pereira
Editora: Bertrand Brasil
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Uma saga magnífica
Alguns livros surgem na nossa vida de maneira misteriosa. Às vezes, é o tédio. Eu costumava ficar bastante entediada principalmente em fins de semana quando ainda não tinha internet em casa, entre os meus 15 e 18 anos. Uma vez, visitando meu pai, voltei para casa levando vários filmes de sua coleção de DVD's, incluindo A Casa dos Espíritos (1993), que assisti várias vezes e simplesmente adorei. Muito tempo depois, eu descobriria que aquele filme incrível era inspirado em um livro, e é claro que passei a desejar a leitura. Esse ano, tive a sorte de comprar um exemplar praticamente novo e muito barato pela Estante Virtual, e aqui estamos nós.
A Casa dos Espíritos é o primeiro e principal romance de Isabel Allende, e acompanha a saga da tradicional família Trueba desde o início do século XX até a década de 1970, passando por várias de suas gerações. Nós conhecemos o íntimo de cada membro dessa família, em especial as mulheres, começando com o violento e ambicioso Esteban Trueba, que se propõe a recuperar uma propriedade rural abandonada que pertencia à sua família; passando pela amável Clara, que desde criança era capaz de prever o futuro e mover objetos com a mente; até chegar à idealista Alba, que seria uma vítima da ditadura militar do Chile.
É um pouco difícil resumir a história, visto que se estende por décadas e contempla as vidas de vários personagens. Mas talvez eu possa definir o momento em que Esteban se apaixona por Rosa del Valle como o início de tudo; ele adquire a concessão de uma mina de ouro distante da capital, onde trabalha com o intuito de enriquecer para poder casar-se com Rosa. Entretanto, ele não se casaria com ela, mas sim com sua irmã mais nova, Clara, que previu o pedido de casamento e decidiu aceitá-lo, por acreditar que seu destino já estava escrito. Esteban seria um latifundiário com grande poder e influência política, e a família Trueba seria, apesar das muitas excentricidades de Clara e dos filhos Blanca, Nicolás e Jaime, aquilo que hoje chamamos de "família tradicional". Mas cada membro dessa família teria o seu próprio destino, por vezes alegre, por vezes trágico, até restarem apenas Esteban e a neta Alba, no mais completo desolamento e solidão.
Foto compartilhada no meu Instagram durante da leitura. Visite @loucuraporleituras ou @lethyd e acompanhe! |
"Já nessa época tinha o hábito de escrever as coisas importantes e mais tarde.
quando ficou muda, escrevia também trivialidades, sem suspeitar que, 50 anos depois,
seus cadernos me serviriam para resgatar a memória do passado
e sobreviver a meu próprio terror."
Página 9.
Página 9.
Eu já tinha grandes expectativas quanto ao livro, porque havia gostado muito de ler o Zorro, e também porque já tinha assistido à resenha da Tatiana Feltrin. Mesmo assim, muita coisa me surpreendeu nesse livro. A narrativa alterna entre primeira e terceira pessoa, visto a maior parte do texto está colocada em terceira pessoa, mas na verdade toda a saga da família Trueba está sendo relatada por Esteban (e, ao final, é complementada por Alba). Esteban se revela em curtos trechos entre um e outro capítulo, e depois "desaparece", quando emerge novamente na história que está escrevendo.
Os capítulos são em geral grandes, contemplando períodos de tempo que podem ser bastante longos. Mas cada capítulo está subdividido em partes que marcam as mudanças de assunto, e que com certeza podem ser a salvação de pessoas que não suportam interromper a leitura antes de terminar o capítulo. Eu, pessoalmente, não tenho problemas com isso. Os parágrafos também costumam ser grandes. Eu aprendi na faculdade que isso é um verdadeiro pecado quando escrevemos com um objetivo claro, como informar; porém, a literatura permite tudo, e a escrita de Isabel Allende tem qualidade suficiente para que o leitor não se perca e nem se confunda em parágrafos de mais de uma página.
Toda a história é repleta de realismo fantástico, e não pude deixar de pensar em Cem anos de solidão enquanto lia. A trajetória das duas famílias é muito diferente, mas todo o ambiente de coisas maravilhosas trazido pela narração é muito semelhante. Outra característica que com certeza não podemos ignorar é uma certa "repetição" de nomes de personagens. Se em Cem anos de solidão chegamos a confundir os Aurelianos e José Arcádios, em A Casa dos Espíritos temos três personagens femininas com nomes que mantém o mesmo significado: Clara, Blanca e Alba. A explicação para isso estaria nas crenças espirituais de Clara, mas existe também uma intencionalidade da autora, visto que a relação entre as mulheres da família Trueba é muito característica.
A história vivida por cada personagem - os encontros e reencontros, as relações de amor e ódio que partilham - é surpreendente por si só. Pode ser que um personagem aparentemente insignificante que esteve presente em certa parte da história reapareça quando menos esperarmos. Talvez haja uma pista no texto, algo como "A próxima vez em que se veriam...", mas de toda forma, é sempre impressionante o entrelaçamento das vidas dos personagens. A constituição psicológica de alguns deles também foi bastante trabalhada, como é o caso de Esteban, Clara, Blanca e Alba. Preciso dizer também que as personagens femininas são as mais marcantes do livro, e a forma que Isabel Allende as criou me fez ter um carinho especial por todas elas.
A história é extremamente rica, por vezes divertida, repleta de momentos de tensão e muito emocionante em determinados trechos. Também é válido dizer que as referências históricas (embora dissolvidas no contexto do realismo fantástico) são bastante interessantes. Somente os capítulos finais, que dizem respeito ao período em que o Chile viveu sob uma ditadura, escapam a essa aura de magia, pois são bastante reais e constituem uma parte sombria em meio à mágica que recobre a maior parte do livro. Outro grande ponto positivo do livro é o de ter despertado minha curiosidade para novas leituras: Pablo Neruda é feito personagem e aparece identificado como O Poeta; o trecho relativo à sua morte me fez ter vontade de conhecer sua obra. Espero algum dia estar resenhando livros dele por aqui!
Toda a leitura me agradou muito. Minhas únicas reclamações são quanto à tradução. Logo de início, percebi que sempre que a personagem Nana era mencionada, seu nome vinha acompanhado pelo artigo a, da forma que costumamos falar de alguém. Mas isso só acontecia com essa personagem. Todos os outros eram mencionados sem a companhia de artigo a ou o, e eu sempre sentia um incômodo muito grande quando lia uma menção a essa personagem. Eu creio que isso pode ter sido uma confusão causada pelo fato de que no espanhol é usada com frequência a preposição a ao lado de nomes próprios, e o tradutor talvez tenha mantido isso, e no Português o a tomou a função de artigo e ficou extremamente incômodo. Outro incômodo foi pelo fato de os nomes de alguns personagens, como o de Nicolás, aparecerem traduzidos em trechos ocasionais (Nicolau), e também pelo fato de algumas palavras não terem sido traduzidas, ou terem sido traduzidas para versões pouco usadas no Brasil. Eu não tive dificuldade para entender que ananás eram abacaxis, mas precisei fazer uma pesquisa rápida na internet para saber que um cristofué é um bem-te-vi. Não fosse por esses problemas, eu diria que o livro não tem nenhum defeito.
Recomendo esse livro para pessoas interessadas em conhecer a literatura latino-americana e o realismo mágico, para pessoas que gostaram do filme, que já leram outros livros de Isabel Allende ou para quem goste de histórias que se desenrolam por longos períodos de tempo.
Avaliação geral:
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Aspectos positivos: o realismo fantástico enriquece a história e torna a leitura leve e divertida; os personagens são bem construídos, em especial as mulheres; a ditadura militar foi retratada de maneira bastante real; os encontros e desencontros entre os personagens são surpreendentes.
Aspectos negativos os capítulos compridos podem incomodar alguns leitores; existem problemas relacionados à tradução.
Por: Lethycia Dias