"A Menina Submersa: Memórias é um verdadeiro conto de fadas, uma história de fantasmas habitada por sereias e licantropos. Mas antes de tudo é uma grande história de amor construída como um quebra-cabeça pós-moderno, uma viagem através do labirinto de uma crescente doença mental. Um romance repleto de camadas, mitos e mistério, beleza e horror, e um fluxo de arquétipos que desafiam a primazia do "real" sobre o "verdadeiro" e resultam e uma das mais poderosas fantasias dark dos últimos anos. Considerado uma "obra-prima do terror" da nova geração, o romance é repleto de de elementos de realismo mágico e foi indicado a mais de cinco prêmios de literatura fantástica, e vencedor do importante Bram Stoker Awards 2013. O trabalho cuidadoso de Caitlín R. Kiernan é nos guiar pela mente de sua personagem India Morgan Phelps, ou Imp, uma menina que tem nos livros companheiros na luta contra seu histórico genético esquizofrênico e paranoico. Filha e neta de mulheres que buscaram o suicídio como única alternativa, Imp começa a escrever um livro de memórias para reconstruir seus pensamentos e e lutar contra o que seria "a maldição da família Phelps", além de buscar suas lembranças sobre a inusitada Eva Canning, sua relação com a namorada e consigo mesma, que evoca em muitos momentos a atmosfera de filmes como Azul é a cor mais quente (Palma de Ouro em Cannes, 2013) e Almas Gêmeas (1994), de Peter Jackson. Não se assuste: é um livro dentro de um livro, e a incoerência uma isca para uma viagem mais profunda, onde a autora se aproxima de grandes nomes como Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft, que enxergaram o terror em um universo simples e trivial - na rua ou nas plácidas águas escuras do rio que passa perto de casa -, e sabem que o medo real nos habita. Caitlín dialoga ainda com o universo insólito de artistas como P. G. Wodehouse, David Lynch e Tim Burton, e o enigmático personagem Sandman, de Neil Gaiman, com quem aliás, trabalhou, escrevendo The Dreaming, spin-off derivado da obra-prima de Gaiman. A Menina Submersa evoca também obras de Lewis Carroll, Emily Dickinson e a Ofélia, de Hamlet, peça clássica de Shakespeare, além de referências diretas a artistas mulheres que deram um fim trágico à sua existência, como a escritora Virginia Woolf. Com uma narração intrigante, não linear e uma prosa magnífica, Caitlín vai moldando a sua obsessiva personagem. Imp é uma narradora não confiável e que testa o leitor durante toda a viagem, interrompe a si mesma, insere contos que escreveu, pedaços de poesia, descrições de quadros e referências a artistas reais e imaginários durante a narrativa. Ao fazer isso, a autora consegue criar algo inteiramente novo dentro do mundo do horror, da fantasia e thriler psicológico. A epígrafe do livro, retirada de uma música da banda Radiohead - "There there" -, diz muito sobre o que nos espera: "Sempre há um canto de sereia que te seduz para o naufrágio". A Menina Submersa é como esse canto, que nos hipnotiza até que tenhamos virado a última página, e fica conosco para sempre ao lado de nossas melhores lembranças."
Autora: Caitlín R. Kiernan
Gênero: Fantasia
Número de páginas: 320
Local de data de publicação: São Paulo, 2014
Tradução: Ana Resende e Carolina Caires Coelho
Editora: Darkside Books
Um mergulho muito profundo
Depois de uma sinopse tão longa, só o que posso dizer é que A menina submersa: memórias é um livro intrigante, que quebra expectativas e que (para usar uma metáfora) apresenta muito mais do que o conteúdo visível na superfície. É uma história que exige imersão e envolvimento, e logo após a dedicatória, a autora nos deixa um recado bem direto: "Este livro é o que é, o que significa que ele pode não ser o livro que você espera que seja". Dessa forma, eu fico feliz por não ter esperado as coisas erradas. Eu esperava por algo sombrio, difícil de compreender e um tanto perturbador, e fui correspondida durante a leitura.
India Morghan Phelps, a nossa protagonista, sofre de esquizofrenia. Porém, mesmo precisando tomar remédios e se consultar frequentemente com uma psiquiatra, ela vive sozinha em um apartamento alugado e consegue ter uma vida normal e independente: ela tem um emprego, pinta quadros para venda que complementam sua renda e alguns quadros para si mesma, escreve algumas histórias e tem um relacionamento com outra garota, Abalyn. Mas a família Phelps tem um histórico de distúrbios psiquiátricos; sua mãe, Rosemery Anne, e sua avó, Caroline, sofriam de males semelhantes, e ambas cometeram suicídio. Por isso mesmo, Imp tem consciência de que não é totalmente sã, e de que precisa fazer algo para que a história não se repita.
Sozinha em seu apartamento, Imp tenta dar vazão aos seus pensamentos frenéticos e aos seus sentimentos confusos, datilografando a própria história no formato de um livro de memórias, falando de suas obsessões e dos demônios que a assombram, e resgatando lembranças de mais de dois anos atrás, quando viveu com Abalyn, e quando teve o fluxo normal de sua vida interrompido pela passagem da misteriosa Eva Canning, uma mulher que a levou a um estado de loucura que ela mesma não imaginava ser possível.
Mas Imp não escreve tudo "direitinho", como imaginamos que um livro deveria ser escrito. Não mesmo. Ela não segue a ordem cronológica dos acontecimentos, deixando a cargo do leitor descobrir quando cada coisa aconteceu; ela interrompe o fluxo de pensamento para nos relatar algo que a princípio parece não ter nenhuma relação com o que era dito antes, mas que depois descobrimos ser muito importante; ela conversa consigo mesma na própria escrita; ela nos alerta que nem tudo pode ter acontecido exatamente como está contando, pois suas lembranças não são confiáveis. E é aí que surge a nossa dúvida: o que seria real e o que seria sua imaginação? Mas quando chegamos ao fim, nos perguntamos: numa história como a dela, ser real ou não faz alguma diferença? Eu acredito que não.
Imagem compartilhada no meu Instagram durante a leitura. Visite @lethyd e acompanhe! |
"Fantasmas são essas lembranças fortes demais para serem esquecidas,
ecoando ao longo dos anos e se recusando a serem apagadas pelo tempo."
Página 23.
De início, a narrativa de Imp pode parecer confusa e intimidar alguns leitores, mas logo que me acostumei a ela, percebi que era um dos grandes truques do livro: o fato de India Morgan Phelps não ser uma narradora nem um pouco confiável faz com que fiquemos mais atentos, para tentar captar e decifrar cada elemento da história. Uma lembrança de sua infância que ela cita no início pode vir à tona mais tarde, e gerar a suspeita de que alguém está mentindo; o fato de ela sempre ter odiado a história da Chapeuzinho Vermelho se torna importante quando ela nos apresenta a segunda versão de como encontrou Eva Canning, e até o conto que ela escreveu sobre isso é revelador. Enfim: nada está colocado por acaso na história de Imp.
Ela começa nos dizendo que vai escrever uma "história de fantasmas", mas não da forma que você está pensando. Ela não fala de vultos escuros nem de objetos se movendo na casa ou algo assim. Imp vem nos falar, na verdade, de seus próprios fantasmas; as coisas criadas por ela ou por outras pessoas e que a assombram. Para explicar isso, ela até usa o termo "meme", não se referindo às imagens engraçadas da internet, mas sim a coisas que se propagam de forma negativa. E os fantasmas de Abalyn, os memes que chegaram até ela e que a perturbam, são muitos, e estão presentes a todo momento. Tudo está, de alguma forma, ligado a Eva Canning, e os momentos mais impactantes e assustadores na história são aqueles em que conhecemos melhor seu passado, sua índole e aquilo de que ela é capaz.
Algo que considerei positivo na história foi a representatividade envolvendo Imp e Abalyn. Além de as duas viverem um relacionamento homoafetivo, Abalyn é transexual, e o livro retrata essa relação de forma muito natural. Em determinado momento, Imp compreende exatamente como Abalyn se sentia no passado, presa a um corpo que não era o dela, e existe um diálogo entre as duas que deixa bem claro o que significa a transexualidade. "Sempre fui mulher, Imp. [...] Ninguém nunca trocou meu sexo. Eles simplesmente deixaram a carne mais em linha com a minha mente. Com meu gênero. Além disso, não tenho certeza de que realmente havia uma escolha." (página 153).
Como dito na sinopse, a obra está repleta de referências. Durante a leitura, consegui identificar algumas delas, mas ao final, na nota da autora, Caitlín faz uma lista de tudo que lhe serviu de base, e é claro que quando li, me dei conta de que houve muita coisa que não entendi ou que me passou despercebida. Creio que essa seja uma das várias camadas do livro, e que futuras leituras podem me ajudar a compreender melhor. Isso também faz parte do caráter híbrido de A menina submersa. Ao ler, ficamos na dúvida se é um livro de horror, um livro de fantasia ou, um livro de memórias ou um romance psicológico. Aparentemente, a fantasia se sobressai, mas os quatro gêneros estão muito marcados em toda a história.
Não posso deixar de fazer comentários quanto a essa edição. Visualmente, é um livro muito bonito, com a capa dura cheia de texturas em relevo, as páginas de laterais cor de rosa, e a fita. Mas não é só isso. Algumas das ilustrações dialogam diretamente com elementos da história, como é o caso das lacraias que aparecem "andando" no meio do texto entre as páginas 176 e 191. Consegui encontrar uma ligação entre isso e uma das lembranças de Imp sobre algo que sua avó costumava dizer, e achei genial a editora ter prestado atenção a isso. Minha única reclamação é quanto a alguns erros de escrita e de revisão, pois ocasionalmente encontrei frases que não pareciam fazer muito sentido, e que deveriam ter sido reescritas. Mas mesmo assim, considero o livro excelente.
Aspectos positivos: mescla diferentes gêneros de forma inteligente; faz referências ricas a obras literárias, arte e mitologia; representa de forma positiva a homossexualidade a transexualidade; cria jogos de compreensão e interpretação para o leitor.
Aspectos negativos: a narrativa não linear e a incerteza de Imp podem ser confusas para alguns leitores; existem erros de revisão.
Avaliação geral:
Se você se interessou pelo livro, pode comprá-lo clicando aqui.
Por: Lethycia Dias
Oi, Lethycia!
ResponderExcluirMenina, eu comprei esse livro ano passado, mas ainda não li.
Por conta de alguns aspectos, estou querendo ler para um especial de Halloween no blog.
Amei a foto que você postou no instagram. Ficou linda.
Beijos
Balaio de Babados
Bom dia, Luiza!
ExcluirEu comprei o livro faz pouco tempo, e acabei lendo rapidinho mesmo porque era muita curiosidade. Tenho certeza de que você fez uma boa escolha deixando pro Halloween, ele tem o clima certinho pra isso. Também estou separando um livro para ler em outubro e fazer uma resenha especial no dia exato do Halloween, e to ansiosa por isso!
Muito obrigada pelo elogio. Eu tento sempre fazer fotos bonitas e criativas com os livros.
Um grande abraço, e boas leituras!
Amei essa resenha, você conseguiu expor tudo o que eu penso sobre esse livro. É uma história muito singular mesmo, acho que essa narrativa dúbia em primeira pessoa é o que torna o livro tão interessante. Eu ainda quero reler. E concordo sobre os erros de revisão, a DarkSide capricha tanto no design e esquece que revisão e tradução são cruciais em uma publicação.
ResponderExcluirParabéns pela resenha.
Beijinhos, Hel - Leituras & Gatices
Muito obrigada por esse comentário, Helena!
ExcluirAcho que o que me levou a comprar o livro foi mais a curiosidade por ouvir muitos comentários e o encanto por ser uma edição tão bonita.
Eu ouvi falar que a DarkSide capricha nas edições, mas que as histórias não são tão boas... Nunca li outro livro deles pra poder comparar. Mas parece que nenhuma editora é perfeita, né?
Oi, Lethycia!
ResponderExcluirAdorei o que você falou sobre a narradora não ser confiável. É algo que muitos leitores não entendem e acabam abandonando o livro logo no início.
Sou suspeito. Esse é um dos meus livros favoritos publicados pela DarkSide Books ♥
Essa edição de capa dura é maravilhosa.
Abraços
Blog do Ben Oliveira
Olá, Ben!
ExcluirAchei muito importante destacar esse aspecto da história; o narrador faz toda a diferença, e há quem diga que se a história é narrada em primeira pessoa, já existem motivos para não confiarmos no narrador (Dom Casmurro, por exemplo).
Confesso que quando eu ainda não sabia nada sobre o livro, foi o capricho do livro que me chamou a atenção. É mesmo muito bonita a edição!
Seja bem-vindo ao blog, e volte sempre!
Eu sou apaixonada por esta edição e sempre quis saber se a capa tinha esses relevos mesmo. Sempre quis ler este livro e sua resenha, como sempre me deixou ainda mais curiosa. Adorei o fato de além da esquizofrenia, o livro abordar a homossexualidade e transexualidade de uma forma positiva. Quem sabe o encontre por um preço camarada na Bienal.
ResponderExcluirBeijos!
A edição é mesmo um arraso, e a capa é muito gostosa de segurar. Dá vontade de ficar passando a mão o tempo todo! kkkk
ExcluirA homossexualidade e transexualidade foram uma surpresa pra mim durante a leitura, e eu adorei ter encontrado essas duas coisas. É raro vermos personagens com essas características, e mais raro ainda eles serem bem representados. Eu adorei esse aspecto!
Acho que você pode sim encontrar na Bienal. Eu comprei o meu dando sorte em um post no Leitores Anônimos, uma menina estava vendendo o livro ainda no plástico, e foi barato...
Espero que quando ler, goste tanto quanto eu!