"Em A mulher desiludida temos a reunião de três contos. A idade da discrição, Monólogo e A Mulher Desiludida. São três histórias distintas independentes. Na primeira, um casal de intelectuais de esquerda se vê em conflito com as posições cada vez mais conservadoras do filho, o que se pode ver como prenúncio do choque de gerações de Maio de 68. Na segunda se dá o monólogo de uma mulher angustiada e fora de si, após dois casamentos fracassados e o suicídio da própria filha. A última história trata do desmoronamento da vida de uma mulher abandonada pelo marido e desprezada pelas filhas. Indo do envelhecimento, passando pela solidão e culminando no abandono dos entes queridos, os contos refletem sobre a condição da mulher e seu papel na sociedade."
Autora: Simone de Beauvoir
Gênero: Contos
Número de páginas: 176
Local e data de publicação: Rio de Janeiro, 2015
Tradução: Helena Silveira e Maryan A. Bon Barbosa
Editora: Nova Fronteira
As correntes que prendem cada mulher
Há alguns meses, encontrei em uma promoção na Amazon o box Clássicos da Literatura Francesa, e o que me fez comprá-lo foi a possibilidade de me iniciar na obra literária de Simone de Beauvoir. Embora seja mais conhecida por sua obra teórica, ela escreveu também literatura; ao saber disso, fiquei fascinada e decidida a conhecer seus livros.
Este volume reúne três contos sobre mulheres muito diferentes umas das outras, mas com uma coisa em comum: todas elas veem seus mundos serem modificado; suas maneiras de compreender a vida e as pessoas, ameaçadas. Seus mundos começam a ruir pouco a pouco, e elas têm grande dificuldade para entender e aceitar (ou lutar contra) as mudanças que as cercam.
Em A idade da discrição, conhecemos uma professora universitária, aparentemente com mais de sessenta anos, que entra em conflito com a família ao descobrir que seu filho, Phillipe, decidiu deixar a vida acadêmica para aceitar uma espécie de "cargo comissionado" arranjado pelo sogro. Essa mulher, que é uma intelectual e pesquisadora muito engajada politicamente, critica as escolhas do filho, que segundo ela, prefere agir de acordo com o que será mais vantajoso em cada ocasião. Além disso, ela ainda tem grandes dificuldades de se adaptar à passagem do tempo; a cidade mudou, os lugares parecem não ter o mesmo encanto, ela já não tem mais a mesma disposição física de quando jovem, ela parece não alcançar o o sucesso que esperava com sua produção intelectual.
A segunda história, Monólogo, acompanha o fluxo de pensamentos de uma mulher que vive completamente sozinha, remoendo acontecimentos do passado relacionados aos seus dois casamentos e às vidas de seus ex-maridos e seus filhos. É uma mulher amargurada, que se queixa da vida e das atitudes das pessoas com quem viveu, que tem desejos reprimidos e sonhos não realizados.
A terceira história, que dá nome ao livro, é o diário de Monique, uma mulher que descobre estar sendo traída pelo marido aos 44 anos. Convencida de que ele a ama muito e que se trata apenas de uma aventura rápida, ela decide não fazer exigências, cobranças ou acusações. Segundo um conselho dado por sua melhor amiga, que inclusive já "reconquistou" o próprio marido, o melhor é não discutir, e ser paciente e compreensiva. Ela segue a risca, o que apenas agrava a situação, pois seu marido, aliviado por não precisar mais mentir, começa a passar cada vez mais tempo com a amante, Nöellie. Sem esquecer a ideia fixa de acabar com a relação extraconjugal do marido e decidida a não abrir mão do casamento, Monique se vê cada vez mais frustrada e decepcionada com a própria vida. Afinal, ela sempre fez de tudo pelo marido e pelas filhas, e não é justo que uma coisa como essa lhe aconteça.
Não é à toa que as três histórias deste livro sejam sobre mulheres e também narradas por elas mesmas, pois a principal intenção das três histórias é refletir sobre o papel da mulher na sociedade.
Foto compartilhada no meu Instagram durante a leitura. Visite @lethyd ou @loucuraporleituras e acompanhe! |
"Todas as mulheres se acham diferentes,
todas pensam que determinadas coisas não podem lhes acontecer
e todas se enganam."
Página 92
As três histórias são narradas em primeira pessoa pelas protagonistas. Por serem personagens diferentes, a forma como essas histórias são narradas também é diversa. A primeira delas é reflete a instrução de sua narradora, uma intelectual. A segunda, se comparada à primeira, é um paralelo contrário, visto que sua narradora se expressa conforme as palavras vêm à sua mente, como um fluxo de pensamento, quase sem pontuação. A terceira, que pode ser considerada uma novela por ser bastante longa, tem razão de estar organizada como um diário: afinal, essa mulher que desistiu da própria carreira para se dedicar à família, que deu uma educação exemplar às duas filhas e que agora, depois de vinte anos de casamento, é traída, não tem com quem conversar sobre seus anseios, seus medos, suas dúvidas. Ela até procura ajuda com amigas e com uma psicóloga - mas todas parecem ter uma opinião sobre o assunto e nenhuma delas parece realmente capaz de ajudar. Além disso, sua vida se resume ao acordo conjugal; por isso, a cada dia ela emprega toda sua energia na tentativa de salvar seu casamento, que é tudo o que ela tem - e agora, está perdendo pouco a pouco.
Cada uma dessas histórias apresenta uma mulher, de certa forma, presa. Enquanto a personagem de A idade da discrição não deixa de lado o orgulho que a faz ficar trancada sozinha em casa por dias e recusar cartas e telefonemas do filho, a segunda destas mulheres está presa à própria amargura pelo fato de ter sido abandonada por todas as pessoas que queria bem. Por outro lado, Monique está completamente presa pela imagem de um casamento ideal, de ser uma esposa perfeita, que é a forma como muitas mulheres foram (e algumas ainda são) educadas para viver. Ela acredita que se o marido a trai, é porque ela falhou em algum coisa; cabe a ela, agora, competir com a outra. Ela mesma se sente culpada por estar magoada com o marido, como se não fosse uma desonestidade dele ter mentido para ela e ter passado a viver abertamente com uma amante, sem esconder nada da sociedade.
Entre os três contos, o que mais me interessou foi A idade da discrição, por falar de coisas que eu conheço mais ou menos bem e com as quais me identifico, que são a questão da pesquisa, do estudo, da vida na Universidade e a crítica política que envolve as vidas dos personagens. Mas o que mais me tocou foi A mulher desiludida, por falar de forma tão vívida sobre como as exigências em torno da vida da mulher e o que se espera dela fazem com que muitas mulheres vivam vidas completamente infelizes. Monique, se tivesse outra visão sobre papel da mulher, poderia ter se divorciado do marido, arrumado um emprego, voltado a estudar ou mesmo se casado novamente e sido muito mais feliz; mas o destino dela foi uma completa degradação emocional. E enquanto lia, eu me questionava: quantas Moniques não existem até hoje?
A escrita de Simone de Beauvoir é bastante fluida, do tipo que lemos várias páginas sem ao menos perceber; talvez isso seja quebrado apenas na segunda história, em que o estilo de fluxo de pensamento, sem pontuação, pode confundir um pouco. Para Monólogo recomendo uma leitura em voz alta ou sussurrada. Outro aspecto interessante do livro é o fato de estar repleto de percepções e questionamentos que podem se aplicar às nossas vidas, mesmo que tenhamos realidades totalmente diferentes das dessas mulheres. Acredito que isso se deva ao fato de a autora ter sido uma filosofa.
É um livro fácil e rápido de ser lido. Não cheguei a ficar nem cinco dias com ele. Recomendo a leitura para pessoas interessadas em histórias com discussões de gênero ou pessoas interessadas em conhecer a obra literária de Simone de Beauvoir. Pode ser também uma boa escolha para quem simplesmente gosta de ler contos de todo tipo.
Avaliação geral:
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Aspectos positivos: Realiza discussão de gênero e sobre o papel da mulher na sociedade; a escrita de cada conto tem relação com a situação em que as personagens se encontram; é uma escrita fluida, fácil de compreender e que faz com que o livro seja lido rapidamente; contém diversas reflexões sobre a vida como um todo, com as quais o leitor se identifica.
Não há aspecto negativo a ser destacado.
Por: Lethycia Dias
Este foi mais um livro que li para o desafio Bingo Literário, na categoria "Menos de 200 páginas".