"A escritora Vanessa Barbara faz sua estreia editorial com um livro-reportagem sobre a rodoviária do Tietê, em São Paulo. Primeira obra jornalística no catálogo da Cosac Naify, O livro amarelo do Terminal empreende uma viagem singular ao que seria uma versão condensada do mundo, como diz João Moreira Salles na orelha da edição. Valendo-se de recursos narrativos variados, que vão da reportagem clássica ao humor nonsense, o olhar da escritora pinça, em meio ao tumulto, os tipos que por lá passam todos os dias - vendedores, crianças, velhinhas, surfistas -, e registra uma história oral do local a partir dos fragmentos de conversas colhidas ao acaso. Esta polifonia aparece também no projeto gráfico do livro. Suas páginas amarelas, de gramatura mais fina, brincam com a transparência e a sobreposição parcial das letras. Já os capítulos de cunho mais histórico aparecem em papel semelhante ao carbono, como os bilhetes de ônibus."
Autora: Vanessa Barbara
Gênero: Reportagem
Número de páginas: 254
Local de data de publicação: São Paulo, 2008
Editora: Cosac Naify
Onde comprar: Amazon
Autora: Vanessa Barbara
Gênero: Reportagem
Número de páginas: 254
Local de data de publicação: São Paulo, 2008
Editora: Cosac Naify
Onde comprar: Amazon
Uma deliciosa viagem de ônibus
Novamente estamos numa daquelas situações em que uma leitura obrigatória da faculdade se transformou numa leitura eu fiz com prazer e que decidi trazer aqui ao blog em forma de recomendação.
Durante mais de seis meses, a jornalista (então estudante) Vanessa Barbara frequentou o Terminal Rodoviário do Tietê, o maior terminal rodoviário da América Latina, localizado na Zona Norte de São Paulo. Usando apenas um bloquinho de notas cor-de-rosa, ela conversou diariamente com passageiros, comerciantes e funcionários (entre eles motoristas, carregadores, atendentes e outros) que fazem parte do pequeno universo que é essa imensa rodoviária. O Terminal do Tietê dá acesso a destinos em todo o Brasil e até mesmo em outros países da América do Sul: Argentina, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai. Milhares de pessoas passam por ele diariamente, nas mais diversas situações e com as histórias mais interessantes possíveis. E era isso que Vanessa Barbara procurava.
Algumas das histórias de funcionários e de pessoas que trabalha(va)m na imensa rodoviária se confundem com a própria história do Terminal. E por serem pessoas invisibilizadas, suas histórias provavelmente não seriam conhecidas por ninguém se a autora não tivesse prestado atenção em cada um deles.
Rosângela, do balcão de informações, que tem respostas para tudo, e que não gosta de ser tratada com grosseria; Raimunda, a assistente social que ouve histórias tristes; Felipe, o carregador de malas que está com a mão machucada; Augusta, a auxiliar de serviços gerais, cuja função de que mais gosta é a de receber as taxas de uso dos banheiros, que lhe possibilita ficar sentada; Marcos, da sala de controle, que transmite avisos pelos auto-falantes; o motorista que entrou no ônibus errado; a roda de violão em que todos gritam "Toca Raul!"; Émerson, estudante que sente falta da comida feita pela mãe no interior de Minas; José e Lúcia, que sonham em voltar para Icó, no interior do Ceará. Essas são algumas das histórias que conhecemos, contada com a irreverência e a sensibilidade de uma repórter que fez verdadeira amizade com algumas de suas fontes.
O livro é uma reportagem completa sobre o Terminal do Tietê, abordando desde sua estrutura física até o que ele significa para a cidade de São Paulo e as pessoas que o frequentam, sem deixar de falar também sobre sua história. Mas o maior enfoque está nas histórias individuais de funcionários e passageiros; Até mesmo a autora, que passou a fazer parte dessa "comunidade", se transformou em personagem num certo trecho.
Por ser uma reportagem em Jornalismo Literário (modalidade que permite o uso da criatividade e exige imersão do repórter durante a apuração), O Livro Amarelo do Terminal se diferencia muito de reportagens comuns. Não necessariamente baseada em um fato noticioso ou um acontecimento recente, é uma reportagem de grande qualidade escrita sem o distanciamento e a impessoalidade que a figura de repórter nos dá ao entrevistar pessoas. A maneira como as informações são tratadas e apresentadas, de forma sensível e poética, fazendo uso de trocadilhos e com grande senso de humor, torna a leitura divertida e muito simples e atrativa até mesmo para quem não é acostumado a ler grandes reportagens. Um leitor leigo pode encará-lo como um livro de crônicas.
Imagem compartilhada no meu Instagram. Visite @lethyd ou @loucuraporleituras e acompanhe! |
"A rodoviária é uma cidade de pessoas que andam com um enorme fiapo preso aos pés,
de gente que derruba café no chão e joga o papel higiênico fora do lixo.
De moças que exigem cartões telefônicos e praguejam do alto de seus óculos escuros."
Página 11
O livro é estruturado em vinte e dois capítulos que seguem certa organização relacionada ao tema da reportagem e que nos transportam pelo universo em pequena escala que é o Terminal do Tietê; O primeiro capítulo, "Chegada", descreve cenas rápidas nas dependências do terminal, com passageiros com suas bagagens, pessoas aguardando passageiros que vão desembarcar; comerciantes anunciando os preços de seus produtos; funcionários limpando o local. O segundo, "O espaço", é uma descrição física completa do Terminal. E assim por diante.
Tudo é narrado em terceira pessoa, como é comum em reportagens. Entretanto, Vanessa Barbara não se esconde atrás de um narrador invisível. Ela participa das histórias, visto que frequentou o Terminal por tanto tempo e tinha o hábito de conversar com os funcionários sem estar necessariamente entrevistando-os. Entretanto, ela não fala de si mesma na primeira pessoa; ela se transforma em personagem, se inclui na cena, dá a si mesma um papel semelhante ao das pessoas que entrevistou.
A reportagem inclui até mesmo uma história sobre as dificuldades que Vanessa teve para conseguir documentos e informações oficiais sobre o Terminal. Um deles, por exemplo, foi o fato de que "[...] a gente não dá assessoria de imprensa pra estudante. Estudante não passa de jeito nenhum." (Pág. 126). Outro, foi a insistência da assessoria de imprensa em não permitir acesso a certas informações, porque "[...] isto aqui é publico, mas é particular." (Idem). Em um dos capítulos, temos acesso às conversas de Vanessa Barbara por telefone com diversos departamentos do Terminal, em que uma pessoa A lhe pede para falar com a B, a B lhe pede para falar com a C e a C sugere que fale com a B. Um desses capítulos descreve como tentaram impedir o trabalho da autora, visto que ela não tinha pedido autorização para entrevistar funcionários, e como ela, de forma irreverente, sequer se preocupou com a proibição e continuou conversando com todos os funcionários que já haviam se tornado seus amigos.
Também está incluída uma série de informações retiradas de documentos oficiais do Terminal e também de notícias de jornais da época em que ele foi planejado, construído e inaugurado. Uma nota nos informa de que mais de 60 reportagens foram consultadas.
As páginas são amarelas, com detalhes em azul, e a textura é semelhante à de papel carbono. |
A capa e a diagramação deste livro merecem destaque nesta resenha, visto que ele foi projetado graficamente para remeter de todos as formas possíveis ao ambiente do Terminal. A capa é repleta de inscrições que reproduzem textos de passagens, placas, carimbos, formulários de regras e notícias de jornal. As páginas amarelas, finas, com detalhes em tinta azul, lembram muito a textura e aparência de papel carbono. As páginas que reproduzem notícias de jornal são brancas e têm os textos impressos como se fossem carimbados, chegando a ter até mesmo manchas de tinta que se assemelham a borrões acidentais.
Trata-se de um livro extremamente bonito, muito bem projetado, com linguagem simples, escrita divertida e atraente para diversos públicos-alvo.
Recomendo esta leitura para quem tem interesse em grandes reportagens; para quem tem curiosidade sobre lugares que fazem parte da cidade de São Paulo; e para quem tem curiosidade por histórias de pessoas que poderiam passar despercebidas, não fosse por uma jornalista-escritora atenciosa e sensível.
Avaliação geral:
Onde comprar:
Aspectos positivos: reportagem sensível escrita em linguagem simples, e muito adaptada ao cotidiano, fazendo uso de trocadilhos e com senso de humor; a diagramação remete ao ambiente da rodoviária, tanto na capa quanto nas páginas; mostra a quantidade de pesquisa que a autora realizou, bem como a profundidade de seu trabalho.
Não há aspecto negativo a ser ressaltado.