Confira!

"'- Vais encontrar o mundo - disse-me meu pai, à porta do Ateneu. - Coragem para a luta.' Sérgio, o narrados, revive a traumática experiência do internato e o sofrido rito de passagem da infância para a adolescência. Neste romance, Raul Pompeia rompeu barreiras temáticas - como a homossexualidade e a formação viciosa da elite brasileira - e estilísticas, transitando livremente entre a ficção, a poesia e o ensaio. O Ateneu: edição comentada e ilustrada inaugura a publicação de autores brasileiros na coleção Clássicos Zahar: Traz o texto integral e as 44 ilustrações originais de Raul Pompeia, notas explicativas e uma apresentação escrita especialmente para esta edição, recuperando as principais linhas interpretativas do romance desde a época de sua publicação até nossos dias."

Autor: Raul Pompeia
Gênero: Clássico
Número de páginas: 263
Local e data de publicação: Rio de Janeiro, 2015
Ilustrações: Raul Pompeia
Editora: Zahar
Onde comprar: Amazon | Americanas | Saraiva | Shoptime | Submarino

Ritos de passagem


Me lembro de ter lido, em algum lugar, que O Ateneu era o primeiro livro brasileiro de ficção a fazer referências à homossexualidade. A partir daí, minha curiosidade aflorou: eu queria saber mais sobre o livro, e tentava imaginar como teria sido, para o autor, abordar naquela época esse tema que até hoje faz pessoas largarem uma leitura por puro preconceito (acreditem, já vi alusões a isso em resenhas). Então, quando encontrei esse livro em uma promoção maravilhosa na Amazon, comprei sem pensar duas vezes.
O Ateneu é a história de Sérgio, menino que aos onze anos é levado para estudar no Ateneu, um famoso internato para meninos, no Rio de Janeiro, e que a partir daí precisa se desligar do afeto que tinha pela própria família e se inserir no microuniverso do colégio, ao mesmo tempo em que é forçado a amadurecer. É importante sabermos desde o início que o livro contém elementos autobiográficos, visto que Raul Pompeia também estudou em um internato quando menino; não, Sérgio não é um alter-ego de Pompeia; mas parte dessa experiência vivida pelo personagem pode ter sido também vivida pelo autor, o que caracterizou a necessidade da crítica aos colégios internos.
Ao longo de sua estadia no Ateneu, que se estende por vários anos, Sérgio passa por várias experiências traumatizantes e observa como o comportamento de seus colegas reflete a sociedade em escala mínima: todas as desigualdades, injustiças e desonestidades que as pessoas cometem diariamente são também cometidas no colégio, inclusive pelo diretor Aristarco. O diretor do colégio é um homem vaidoso e ambicioso. Sua primeira obsessão é a de ser reconhecido como educar exemplar; a segunda, é de ganhar dinheiro. Assim, se vários estudantes cometem um delito dentro do colégio, é melhor não expulsar nenhum deles, pois assim ele estaria perdendo parte de sua renda e o colégio perderia parte de seu prestígio quando a notícia se espalhasse pela cidade. Da mesma forma, também é mais fácil dar privilégios os alunos cujos pais pagam a mensalidade sempre em dia. Aristarco, desonesto, tirano, representa o Abílio César Borges, o barão de Macaúba e diretor do colégio Abílio, onde Pompeia estudou.

Foto compartilhada no meu Instagram durante a leitura.
Visite @lethyd ou @loucuraporleituras e acompanhe!
"Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita dos felizes tempo;
como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto,
não nos houvesse perseguido outrora
e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam."
Página 25.

O livro está dividido em onze capítulos, e a linguagem utilizada é formal e extremamente rebuscada. Por causa disso, tive uma leitura bastante difícil, cansativa e um pouco tediosa. São feitas muitas referências à Antiguidade Clássica, à filosofia, à história, à ciência e às artes, que são compreendias graças às notas de rodapé. É difícil classificar o gênero de O Ateneu. Aqui, utilizei apenas aquela denominação genérica de "literatura clássica", porque ele é assim considerado. Mas os próprios estudiosos da literatura afirmam essa dificuldade. Como diz Ivan Marques, na apresentação do livro: "A obra se define por essa mistura de formas discursivas: é um livro de memórias que desliza para a ficção; uma narrativa que incorpora recursos poéticos (tendendo inclusive à libertação dos significantes); uma prosa raciocinante que se confunde muitas vezes com a linguagem ensaística.".
Acredito que essa alternância de formas discursivas possa ter prejudicado um pouco o meu entendimento. Em muitas passagens, a narrativa desaparece em meio a digressões confusas. Há um trecho, por exemplo, em que alguém realiza um discurso muito longo e de propósito não muito claro, que se estende por várias páginas, e que eu simplesmente pulei porque não estava entendendo. Há outros acontecimentos que não entendi como se desenrolaram. Há um momento em que Aristarco anuncia ter descoberto a existência de uma mulher (?) escondida entre os alunos, e afirma que os responsáveis por ajudá-la seriam punidos severamente, bem como qualquer pessoa que soubesse de alguma coisa e não falasse nada. Mais tarde, vinte alunos (inclusive Sérgio, que na narração não revela nada sobre isso) são apontados como "cúmplices" do caso, mas nunca foi dito quem era essa mulher "escondida no colégio", o que ela estava fazendo lá e nem por que, e nem de que maneira e com que intenção esses alunos a estariam ajudando a se esconder. Se existe uma explicação para esse caso, eu não consegui encontrá-la, devido à linguagem complicada e ao estilo da narração, que muda a todo momento.
A história não é necessariamente contada na ordem cronológica. Sim, o livro começa pelo momento em que Sérgio é matriculado no colégio; mas ao longo das páginas seguintes, ele narra suas duas visitas anteriores à instituição. Da mesma forma, outros acontecimentos são contados de maneira posterior, explicando algo que foi narrado antes.
Quanto à homossexualidade, eu concluí que foi demonstrada de maneira um tanto discreta, o que é compreensível para a época. Eu nunca tive certeza se Sanches, no início, assediava sexualmente Sérgio. Mais à frente, entendi que Bento Alves tinha certo interesse em Sérgio, sem ser correspondido. E mais perto do fim, não compreendi bem qual a natureza da relação entre Sérgio e Egbert.
Todas as minhas críticas anteriores não querem dizer que o livro não tenha méritos, pois tem sim. Muitas passagens demonstram vários fatores sobre a história que são anunciados no texto de apresentação. Eu fiquei observando para encontrar a tirania de Aristarco, e encontrei. Em várias passagens, fica bem claro o quanto a experiência do colégio interno foi negativa para Sérgio e para o próprio Raul Pompeia, e acredito que ter demonstrado isso em momentos dramáticos tenha sido o grande mérito do livro, que se propõe como uma grande crítica ao modelo de educação da elite brasileira no século XIX.
Além disso, a edição também tem seu mérito, pois está muito bem feita e extremamente bonita. Não detectei erros ortográficos. A edição ainda contém as ilustrações originais feitas por Raul Pompeia, o que é uma forma de valorizar a primeira edição do livro.
Concluo essa resenha dizendo que é um livro extremamente complexo pela linguagem e pelo estilo usados, e arrisco afirmar que se não fosse pelo texto de apresentação e pelas notas de rodapé, eu não teria entendido. Muitas passagens, aliás, foram muito confusas pra mim. Recomendo o livro talvez para quem já conheça a obra de Raul Pompeia e esteja acostumado à escrita dele, ou para quem já tenha uma grande experiência com clássicos. Pretendo fazer uma releitura, é claro, para entender melhor; mas acredito que vou querer esperar alguns anos para isso, porque por enquanto só quero distância desse livro.

Avaliação geral:


Onde comprar:


Aspectos positivos: a crítica ao modelo de educação vigente na época está muito bem estruturada; o texto de apresentação e as notas de rodapé contribuem para o entendimento do leitor; não existem erros de revisão; a capa dura e as ilustrações originais feitas por Raul Pompeia enriquecem a edição.
Aspectos negativos: a linguagem utilizada e a alternância de estilos discursivos tornam a leitura difícil, tediosa e confusa.

Por: Lethycia Dias

2 Comentários

  1. Eu abandonei este livro porque não entendi nada. Eu quis ler pela referência à homossexualidade, mas não encontrei. Achei confuso e difícil demais. Comprei aquelas edições baratinhas de 5 reais e não me recordo se ela tem notas de rodapé, mas acredito que não tenha muitas. Quem sabe um dia eu leia, mas com uma edição comentada para tentar entender alguma coisa. Adorei sua resenha!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu fico imaginando que se essa edição não fosse muito bem comentada, teria desistido igual você, porque o texto é muito difícil, mesmo pra quem já ta acostumado com clássicos. Quando se trata de "linguagem difícil", qualquer um do Machado é fichinha perto desse aí...
      Obrigada pelo elogio, e espero que quando você encontrar uma boa edição, consiga fazer uma leitura melhor do que a minha! :)

      Excluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Entre em contato conosco!

Nome

E-mail *

Mensagem *

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...