Esse vai ser um post um tanto diferente do que você está acostumada(o) a encontrar por aqui. Isso porque, ao invés de falar exatamente sobre um livro ou sobre leitura, vamos falar de um assunto que há alguns meses não aparece por aqui: a escrita. Esse post é uma espécie de desabafo e é voltado, basicamente, para escritores iniciantes. Mas você que lê e acompanha o blog também pode se sentir à vontade para ler até o fim, caso tenha se interessado.
Recentemente, tive a experiência maravilhosa de ler Fantoches e outros contos, o primeiro livro escrito por Erico Verissimo. Foi um livro que eu fiz questão de ler, por admirar muito o autor. E com ele, eu aprendi uma coisa muito importante não só como leitora, mas também como aspirante a escritora: ninguém começa sendo um gênio.
O livro começa com um prefácio escrito por Verissimo em 1972, época em que Fantoches recebeu uma edição comemorativa de 40 anos. Neste texto, o autor afirma:
"Ora, o livro é de pouca ou nenhuma importância literária, mas não deixará de ter um certo interesse histórico para quem quer que (há gente para tudo neste mundo!) venha um dia estudar em conjunto a obra do abaixo assinado."
Com isso, Verissimo reconhece a própria imperfeição de suas primeiras histórias. Depois de ler, eu mesma descrevi o livro como ingênuo. "[...] não se pode esperar desse livro toda a qualidade dos romances escritos anos e até décadas depois." (DIAS, 2017).
E enquanto lia as histórias simples que o próprio autor pontuou e criticou de diversas formas 40 anos depois de tê-las escrito, eu me dei conta de que talvez não possa exigir muito de mim como escritora, quando ainda não tenho quase nenhuma experiência.
Veja bem: Erico Verissimo é um escritor que eu admiro muito, que escreveu livros maravilhosos que me inspiraram muito como futura escritora. É um daqueles escritores que, ao ler, eu disse: "Quero escrever como ele!".
Acontece que quando admiramos uma pessoa sem conhecer por completo o trabalho dela ou saber bem de onde ela veio, temos a impressão de que ela sempre foi boa no que faz como vemos hoje em dia. Parece que aquela pessoa não precisou passar por um processo de aprendizado, aprimoramento, melhoria.
Mas ao ler Fantoches e outros contos, me dei conta de que isso não é verdade. Erico Verissimo não começou escrevendo textos com a mesma qualidade de O tempo e o vento. Da mesma forma, eu imagino que outros escritores, salvo raras exceções, também não eram incríveis desde o início. Quando falamos da grande obra de um grande escritor, quase sempre falamos do último livro dele, ou de um livro que foi escrito e reescrito durante anos.
Gabriel García Márquez (outro escritor que admiro muito) era do tipo que levava muito tempo para escrever suas histórias. Numa entrevista, presente no livro Cheiro de goiaba, ele conta que uma história boa, para ele, é aquela que continua sendo importante depois de muito tempo guardada apenas na cabeça.
"Na realidade, nunca me interessou uma idéia que não resista a muitos anos de abandono. Se é boa a ponto de resistir aos quinze anos que esperou Cem Anos de Solidão, aos dezessete de O Outono do Patriarca e aos trinta de Crônica de Uma Morte Anunciada, não tenho outro remédio senão escrevê-la." (MÁRQUEZ, 1982, p. 31).
Foi como uma epifania. Em tão pouco tempo, eu havia aprendido duas coisas importantíssimas.
Erico Verissimo não começou escrevendo tão bem.
Gabriel García Márquez guardou suas melhores histórias durante anos.
E então eu percebi que estava sendo muito exigente comigo mesma. Talvez até perfeccionista, querendo começar minha carreira com um romance incrível que chame todos os holofotes da literatura brasileira para mim. Ah, que ingênua!
Afinal, já tenho uma coletânea de contos, que pretendia publicar de maneira independente na Amazon, além de muitas crônicas e poesias que não tenho coragem de mostrar para ninguém. Mas afinal, por que ainda não publiquei esses contos? Eu sempre digo que é porque me falta tempo para fazer a revisão e preparar uma capa. Mentira. Uma das mentiras mais deslavadas, pois tive tempo para isso durante as últimas férias. A verdade é que eu não considero todos esses contos muito bons e tenho medo de outras pessoas também não acharem isso. É o medo das críticas, de uma resenha negativa, de receber uma ou duas estrelas no Skoob. E aí, quem é vai querer ler o segundo livro de uma escritora desconhecida, cujo primeiro livro foi ruim?
Talvez alguém queira. Alguém que tenha considerado o primeiro livro bom. Ou alguém que nunca ouviu falar do primeiro, mas chegou por acaso ao segundo.
Ah, aquela ideia incrível que eu tive tempos atrás, e que não escrevi porque sequer terminei de planejar! Deixei pra depois, e ela foi sendo esquecida. Quanto me arrependi por não ter escrito! Mas e se não chegou ainda o tempo dela? E se ela for uma daquelas histórias que precisam ser guardadas por anos a fio, até chegarem ao tempo de serem escritas com toda a dedicação e maturidade que não posso ter agora, quando ainda estou no início da estrada?
E não é que eu seja ruim. É só que talvez eu ainda tenha muito que ler e - melhor que isso - muito que escrever até estar realmente satisfeita com a minha escrita. Não dizem que é a prática que leva à perfeição? Como é que eu, que escrevi tão pouco, e que não me arrisco a experimentar as opiniões de outras pessoas, poderia achar que já aprendi o suficiente?
A escrita não parece ser uma coisa que se aprende do dia pra noite, mas sim ao longo do tempo, com muito esforço, folhas amassadas, frases reescritas, parágrafos rabiscados. Eu não devia me sentir frustrada com as histórias que escrevo agora. Se não forem boas, devem ser, com certeza, um aprendizado para o futuro.
Após Fantoches e outros contos, imagino ter aprendido uma coisa muito importante: eu não vou aprender o que preciso se não me der a chance de errar! E não vou saber no que devo melhorar se não correr o risco de receber uma crítica!
Como aspirante a escritora, tenho pela frente todas as dificuldades de um iniciante, e considerando minhas condições financeiras, a única opção viável no momento é publicar um e-book pela Amazon. Estou determinada a fazer a revisão do meu livro assim que possível, a ler mais sobre processos e técnicas de escrita, aprender sobre teoria literária e aprimorar as minhas habilidades. Daqui a alguns meses, eu devo estar publicando minha coletânea de contos, e me preparando para elogios e críticas (talvez mais críticas do que elogios). Faz parte. Eu tenho certeza de que só vou aprender mais ainda com tudo isso!
Por: Lethycia Dias
Referências bibliográficas:
DIAS, Lethycia. Resenha: Fantoches e outros contos. In: Loucura Por Leituras, 13 de março de 2017. Disponível em: <http://loucura-por-leituras.blogspot.com.br/2017/03/resenha-fantoches-e-outros-contos.html>. Acesso em: 08 de abril de 2017.
MÁRQUEZ, G. G. O Ofício. In: Cheiro de Goiaba. Rio de Janeiro. Editora Record, 1982. p. 27-41
VERISSIMO, Erico. Fantoches e outros contos. São Paulo. Editora Globo, 1997.