Quem me conhece pessoalmente ou me acompanha pelo Instagram sabe que recentemente eu passei por uma coisa muito chata que foi ter perdido meu exemplar de A desumanização. No dia em que aconteceu, eu publiquei isso nos meus stories:
Aquilo me deixou transtornada. Fazia dois dias que eu estava lendo o livro, como parte do projeto Viajante literária, do blog Leituras e gatices, e estava experimentando um misto de emoções com aquela história, quase saboreando a escolha sensível de palavras feita por Valter Hugo Mãe em sua narrativa. E então, por um descuido, eu havia perdido meu livro!
Naquele dia, eu tinha que entregar a reprodução de uma notícia para a aula de Jornalismo Político. Como não tenho impressora em casa, tinha de imprimir o trabalho na faculdade, em uma das muitas copiadoras espalhadas pelo campus da UFG. Fiz isso na copiadora da Faculdade de Letras, onde eu gosto de imprimir meus trabalhos por achar que os atendentes são mais simpáticos. Logo depois, passei rapidamente pela Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), que é o departamento ao qual pertence o meu curso. Menos de cinco minutos depois, me dirigi ao Centro de Aulas Caraíba, onde acontecia minha aula daquela sexta-feira.
Cheguei à sala, deixei a mochila na carteira onde eu pretendia me sentar, fui ao banheiro, e ao voltar procurei pelo livro na minha mochila. Não estava lá. Revirei todos os bolsos, várias vezes. Não estava. Eu só podia ter esquecido no balcão da copiadora. Saí do prédio correndo, de volta à Faculdade de Letras. Subi as escadas correndo, pedi licença várias vezes em meio à fila de pessoas que esperavam para tirar cópia de seus textos ou imprimir seus trabalhos. Chamei um dos atendentes, expliquei que estivera ali havia menos de meia hora, que havia esquecido um livro, será alguém tinha encontrado? Não, eles não tinham visto nada, sinto muito. Fui embora, desolada.
Mal consegui prestar atenção na aula, embora o assunto me interessasse muito. No intervalo voltei novamente à copiadora, e nada. Refiz meus passos, fiz perguntas também na FIC, pois àquela altura eu já não tinha certeza de onde poderia ter perdido meu livro. Ninguém tinha visto nada. Eu também já tinha enviado a foto do livro e um pedido de devolução em diferentes redes sociais: o grupo da minha turma no WhatsApp, duas páginas não-oficiais da UFG no Facebook, um perfil no Instagram que realiza o serviço de Achados e perdidos. Ninguém sabia. Nada. Só algumas pessoas que me conhecem comentavam, torcendo para que eu encontrasse.
Fui embora sem meu livro. Estava quase chorando. Levo meus livros para todo lugar, seja a sala de espera do médico ou a casa de um parente, e isso nunca havia acontecido. Num dia, me distraí um pouco, e pronto! Eu já tinha concluído que o livro havia sido pego por alguém que foi atendido na copiadora logo depois de mim, porque eu voltara em pouco tempo e não conseguira encontrá-lo.
Mas eu não desistira. No domingo à noite, fiz em casa um cartaz com a foto do meu livro e meus contatos, pedindo que quem o encontrou devolvesse. Na segunda de manhã, colei o cartaz na parede da copiadora, ao lado do computador onde eu conectara meu pen-drive para imprimir minha notícia na sexta-feira. A pessoa voltaria ali para imprimir ou copiar qualquer outra coisa, veria que eu estava desesperada atrás do meu livro que ela pegara, e perceberia que eu estava sentindo falta dele.
Fiquei ansiosa durante aquele dia e os próximos, mas nada acontecia. Nenhuma ligação, nenhuma mensagem, nenhuma menção em comentários nas redes sociais, nenhum e-mail. Na próxima sexta, eu me convenci de que não teria meu livro de volta. Afinal, nos Achados e Perdidos as pessoas deixam chaves, documentos, carteirinhas da biblioteca. Coisas que não têm utilidade para elas. Mas tem gente que encontra carteiras com dinheiro e rouba o dinheiro, deixando a carteira no lugar onde achou, não é mesmo? Então eu podia muito bem ter dado o azar de meu livro ter sido encontrado por alguém que ama ler tanto quanto eu, e é claro que essa pessoa não devolveria meu livro. Já fazia uma semana. De novo, tive uma sexta-feira triste e não participei da aula, embora as discussões fossem muito interessantes.
A vida devia seguir, não é. Era só um livro, eu podia comprar outro. Era só um livro, eu tinha quase 300 em casa. Mas não era. Era o meu livro, que tinha meu nome escrito, que eu manuseara com carinho, que estava fazendo parte do meu dia-a-dia, que tinha os post-it's marcando as partes que me tocaram. Era uma coisa com valor sentimental. Minha leitura fora interrompida bruscamente, e eu não conseguia me conformar com isso. A ideia de comprar outro e começar de novo não parecia uma solução. Era como se outro exemplar não pudesse ser como o meu A desumanização.
Resolvi esquecer. Como é que dizem? Aceita que dói menos. Eu que aprendesse a tomar mais cuidado com as minhas coisas, se não quisesse que acontecesse de novo. Seria melhor mesmo comprar outro, e rápido, afinal, o livro era da Cosac Naify, e logo todos os exemplares da Amazon vão acabar. Eu começava a pensar nisso como uma coisa que devia fazer no próximo mês, assim que tivesse dinheiro.
No dia 31 de março, antes da minha aula começar, passei cerca de meia hora lendo num banco do pátio da Faculdade de Letras. Eu gostava não só da simpatia dos atendentes da copiadora, mas também do ambiente daquele pátio com banquinhos de madeira e mesas de ferro fundido. Uma secreta vontade de estudar naquele prédio? Talvez. Fiquei ali com Anna Kariênina sobre o colo, observando a porta da sala da copiadora que ainda não fora aberta. Eu tinha ainda uma pequena esperança, embora não gostasse de admitir, de que o meu livro voltasse para mim de alguma forma. Em momentos de maior tristeza, chegava a imaginar que o livro fora encontrado por alguém que me conhecia, e que o estava guardando para fazer uma espécie de brincadeira de mau-gosto, que de repente essa pessoa me procuraria para dizer: "Está comigo!". Ah, que imaginação fértil!
Estava tendo um dia ruim, me sentindo sozinha e amarga. Fiquei calada a maior parte do tempo durante a aula, falando só o necessário. "Bom dia", "Bom dia". "Tudo bem?", Tudo bem". Quase fui às lágrimas quando o professor me perguntou que dificuldades eu tivera para fazer uma análise da conjuntura nacional, considerando tudo que vem acontecendo atualmente na política brasileira. "Entender o que está acontecendo", eu disse, quase engasgada. E todos me olhando. Mas todo mundo tinha feito, quem era eu pra dizer que não tinha conseguido?
Por volta das onze, olhei para o meu celular, correndo o risco de ter a luzinha vermelha do professor apontada para mim, como outros alunos que são flagrados com o celular na mão. Havia uma mensagem de um número desconhecido. Uma mensagem rápida, simples, sem pontuação, enviada por alguém com uma foto de casal.
Imagens compartilhadas no meu InstaStories. |
Aquilo me deixou transtornada. Fazia dois dias que eu estava lendo o livro, como parte do projeto Viajante literária, do blog Leituras e gatices, e estava experimentando um misto de emoções com aquela história, quase saboreando a escolha sensível de palavras feita por Valter Hugo Mãe em sua narrativa. E então, por um descuido, eu havia perdido meu livro!
Naquele dia, eu tinha que entregar a reprodução de uma notícia para a aula de Jornalismo Político. Como não tenho impressora em casa, tinha de imprimir o trabalho na faculdade, em uma das muitas copiadoras espalhadas pelo campus da UFG. Fiz isso na copiadora da Faculdade de Letras, onde eu gosto de imprimir meus trabalhos por achar que os atendentes são mais simpáticos. Logo depois, passei rapidamente pela Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), que é o departamento ao qual pertence o meu curso. Menos de cinco minutos depois, me dirigi ao Centro de Aulas Caraíba, onde acontecia minha aula daquela sexta-feira.
Cheguei à sala, deixei a mochila na carteira onde eu pretendia me sentar, fui ao banheiro, e ao voltar procurei pelo livro na minha mochila. Não estava lá. Revirei todos os bolsos, várias vezes. Não estava. Eu só podia ter esquecido no balcão da copiadora. Saí do prédio correndo, de volta à Faculdade de Letras. Subi as escadas correndo, pedi licença várias vezes em meio à fila de pessoas que esperavam para tirar cópia de seus textos ou imprimir seus trabalhos. Chamei um dos atendentes, expliquei que estivera ali havia menos de meia hora, que havia esquecido um livro, será alguém tinha encontrado? Não, eles não tinham visto nada, sinto muito. Fui embora, desolada.
Mal consegui prestar atenção na aula, embora o assunto me interessasse muito. No intervalo voltei novamente à copiadora, e nada. Refiz meus passos, fiz perguntas também na FIC, pois àquela altura eu já não tinha certeza de onde poderia ter perdido meu livro. Ninguém tinha visto nada. Eu também já tinha enviado a foto do livro e um pedido de devolução em diferentes redes sociais: o grupo da minha turma no WhatsApp, duas páginas não-oficiais da UFG no Facebook, um perfil no Instagram que realiza o serviço de Achados e perdidos. Ninguém sabia. Nada. Só algumas pessoas que me conhecem comentavam, torcendo para que eu encontrasse.
Fui embora sem meu livro. Estava quase chorando. Levo meus livros para todo lugar, seja a sala de espera do médico ou a casa de um parente, e isso nunca havia acontecido. Num dia, me distraí um pouco, e pronto! Eu já tinha concluído que o livro havia sido pego por alguém que foi atendido na copiadora logo depois de mim, porque eu voltara em pouco tempo e não conseguira encontrá-lo.
Mas eu não desistira. No domingo à noite, fiz em casa um cartaz com a foto do meu livro e meus contatos, pedindo que quem o encontrou devolvesse. Na segunda de manhã, colei o cartaz na parede da copiadora, ao lado do computador onde eu conectara meu pen-drive para imprimir minha notícia na sexta-feira. A pessoa voltaria ali para imprimir ou copiar qualquer outra coisa, veria que eu estava desesperada atrás do meu livro que ela pegara, e perceberia que eu estava sentindo falta dele.
Fiquei ansiosa durante aquele dia e os próximos, mas nada acontecia. Nenhuma ligação, nenhuma mensagem, nenhuma menção em comentários nas redes sociais, nenhum e-mail. Na próxima sexta, eu me convenci de que não teria meu livro de volta. Afinal, nos Achados e Perdidos as pessoas deixam chaves, documentos, carteirinhas da biblioteca. Coisas que não têm utilidade para elas. Mas tem gente que encontra carteiras com dinheiro e rouba o dinheiro, deixando a carteira no lugar onde achou, não é mesmo? Então eu podia muito bem ter dado o azar de meu livro ter sido encontrado por alguém que ama ler tanto quanto eu, e é claro que essa pessoa não devolveria meu livro. Já fazia uma semana. De novo, tive uma sexta-feira triste e não participei da aula, embora as discussões fossem muito interessantes.
A vida devia seguir, não é. Era só um livro, eu podia comprar outro. Era só um livro, eu tinha quase 300 em casa. Mas não era. Era o meu livro, que tinha meu nome escrito, que eu manuseara com carinho, que estava fazendo parte do meu dia-a-dia, que tinha os post-it's marcando as partes que me tocaram. Era uma coisa com valor sentimental. Minha leitura fora interrompida bruscamente, e eu não conseguia me conformar com isso. A ideia de comprar outro e começar de novo não parecia uma solução. Era como se outro exemplar não pudesse ser como o meu A desumanização.
Resolvi esquecer. Como é que dizem? Aceita que dói menos. Eu que aprendesse a tomar mais cuidado com as minhas coisas, se não quisesse que acontecesse de novo. Seria melhor mesmo comprar outro, e rápido, afinal, o livro era da Cosac Naify, e logo todos os exemplares da Amazon vão acabar. Eu começava a pensar nisso como uma coisa que devia fazer no próximo mês, assim que tivesse dinheiro.
No dia 31 de março, antes da minha aula começar, passei cerca de meia hora lendo num banco do pátio da Faculdade de Letras. Eu gostava não só da simpatia dos atendentes da copiadora, mas também do ambiente daquele pátio com banquinhos de madeira e mesas de ferro fundido. Uma secreta vontade de estudar naquele prédio? Talvez. Fiquei ali com Anna Kariênina sobre o colo, observando a porta da sala da copiadora que ainda não fora aberta. Eu tinha ainda uma pequena esperança, embora não gostasse de admitir, de que o meu livro voltasse para mim de alguma forma. Em momentos de maior tristeza, chegava a imaginar que o livro fora encontrado por alguém que me conhecia, e que o estava guardando para fazer uma espécie de brincadeira de mau-gosto, que de repente essa pessoa me procuraria para dizer: "Está comigo!". Ah, que imaginação fértil!
Estava tendo um dia ruim, me sentindo sozinha e amarga. Fiquei calada a maior parte do tempo durante a aula, falando só o necessário. "Bom dia", "Bom dia". "Tudo bem?", Tudo bem". Quase fui às lágrimas quando o professor me perguntou que dificuldades eu tivera para fazer uma análise da conjuntura nacional, considerando tudo que vem acontecendo atualmente na política brasileira. "Entender o que está acontecendo", eu disse, quase engasgada. E todos me olhando. Mas todo mundo tinha feito, quem era eu pra dizer que não tinha conseguido?
Por volta das onze, olhei para o meu celular, correndo o risco de ter a luzinha vermelha do professor apontada para mim, como outros alunos que são flagrados com o celular na mão. Havia uma mensagem de um número desconhecido. Uma mensagem rápida, simples, sem pontuação, enviada por alguém com uma foto de casal.
"Bom dia seu livro está na coordenação da letras"
Meu coração disparou. Eu não acreditava. Meu cartaz havia funcionado, alguém estava devolvendo meu livro. Ah, mas faltava tanto tempo para a aula abacar! Comecei a mexer os pés, é um tique que aprendi com meu pai, que também faz isso. Mas eu faço quando estou ansiosa. Quarenta minutos até a aula acabar, e faltava tanto! Mas alguma coisa podia acontecer, a coordenação podia fechar às 11h 40 min, alguém podia ver o livro à vista e se dizer dona(o) dele e pegá-lo no meu lugar. Loucura ou não, esse pensamento me preocupou.
Juntei todas as minhas coisas na mochila, me aproximei da mesa na frente da sala, ao lado de onde o professor, de pé, respondia a uma pergunta. Com a mão trêmula, quase me atrapalhei para depositar minha notícia daquela semana sobre a mesa. Tentando ser o mais discreta possível, saí apressada, ganhei o corredor, corre escada abaixo, pelos cantos, o som dos meus passos ecoando.
Ao sair do prédio, atravessei depressa a faixa de pedestres, corri em linha reta pelo estacionamento e por uma área gramada, ao invés de ir pela passarela, por onde todos passavam normalmente. Ia pelo sol, num caminho que não agradava a ninguém. No prédio da Faculdade de Letras, não corri, mas andei apressada. Um conhecido que me viu, perguntou aonde eu ia com tanta pressa, e nem me dei o trabalho de responder. Subi um pequeno lance de escadas, atravessei um corredor que levava ao prédio anexo, onde ficava a coordenação. Subi mais um lance de escadas, dessa vez quase caindo. Na coordenação, me informaram que meu livro fora levado à sala de leitura, no andar de baixo. Desci, novamente quase caindo. Na sala de leitura, um rapaz buscou meu livro dentro de um armário e me entregou.
Eu mal podia acreditar que estava tendo de volta um objeto tão querido, uma coisa que eu acreditava que nunca teria de volta. Me sentei no chão do lado de fora, e fiquei folheando meu exemplar recuperado de A desumanização. E marcador de páginas e a cartela de post-it's quase vazia que eu tinha deixado dentro dele não estava mais lá, e alguém havia escrito meu número de matrícula numa das páginas iniciais, abaixo do meu nome. Como alguém havia descoberto aquele número? Não sei dizer.
Saí da Faculdade de Letras com o livro bem guardado na mochila, ouvindo a Rádio Interativa nos meus fones de ouvido e acreditando levar comigo um segredo enorme, o segredo da alegria de ter recuperado um objeto querido e de ter visto meu dia mudar de ruim para maravilhoso, em questão de minutos.
Eu era uma nova Lethycia naquela sexta-feita, 31 de abril, por volta depois das 11 horas.
Por: Lethycia Dias
Nossa que lindo!!! E que sensacional ter recuperado! Também odeio perder minhas coisas, ainda mais livros... eles têm um valor diferente para a gente não é mesmo?
ResponderExcluirMuito obrigada! Também fiquei muito feliz de ter conseguido ele de volta. Odeio quando isso acontece, porque sou uma pessoa muito distraída. De tanto que esqueço as coisas, adquiri o hábito de tomar precauções, mas nem sempre funciona. Parece que a gente desenvolve uma relação muito pessoal com os nossos livros. Quando eu pensava em comprar um novo parecia que ele nunca ia substituir o meu que tinha sumido.
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