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Resenha: A Cor Púrpura
"Ambientado no sul dos Estados Unidos no intervalo entre guerras A Cor Púrpura conta a história de Celie, jovem negra, nascida na pobreza em uma cidade segregada. Estuprada pelo padrasto, ela é obrigada a se separar de seus dois filhos e de sua irmã, para se casar com um homem violento. O constante pesadelo vivido pela protagonista é ligeiramente transformado pela chegada de Shug Avery e, aos poucos, Celie descobre um inesperado impulso em si mesma, libertando-se das amarras de sofrimentos que estão mais presentes em histórias reais do que gostaríamos de admitir."

Autora: Alice Walker
Gênero: Drama
Número de páginas: 337
Edição: 10ª
Local e data de publicação: Rio de Janeiro, 2016
Tradução: Betúlia Machado, Maria José Silveira e Ped Bodelson
Editora: José Olympio
Onde comprar: Amazon | Saraiva | Travessa


Um grito pela liberdade


Há livros que a gente lê por motivos específicos. às vezes nem é por causa da história, mas sim porque ouvimos falar que o livro X ou Y contém isso ou aquilo. Com A Cor Púrpura, foi mais ou menos isso, embora eu não me lembre onde ouvi falar do livro.
Esse livro traz a história sofrida e dolorosa de Celie, uma mulher que desde sempre esteve inserida num ciclo imenso de violência. Celie vive no Sul dos Estados Unidos, e é importante nos lembrarmos que os Estados do Sul conservaram a escravidão por mais tempo do que os Estados do Norte, e que mesmo após a abolição da escravatura, os negros norte-americanos continuaram sofrendo uma grande segregação e marginalização na sociedade, especialmente no Sul.
A história de Celie acontece nas primeiras décadas do século XX, e é contada por meio de cartas que ela escreve para Deus e também para sua irmã Nettie. Celie vive uma vida de abusos. Ela nunca recebeu o carinho ou o amor de ninguém, nem mesmo da própria mãe; aos quatorze anos (e isso não é um spoiler, porque sabemos disso na primeira página), passa a sofrer abuso sexual por parte de seu padrasto; ela vive em meio à miséria, e não tem nenhuma perspectiva para o futuro; ela não é considerada bonita ou inteligente; ela vive em meio a tanta dor e tantos abusos, que sequer se considera digna de orar para Deus - por isso ela escreve para Ele.
Ainda muito jovem, Celie é obrigada a se casar com Albert, um homem que a trata sem o mínimo respeito - mas Celie sempre conviveu com isso, e ela está tão habituada a fazer tudo o que os outros querem que ela faça, que se mantém resignada e sofrendo em silêncio. Mas foi assim que Celie foi ensinada. É "normal" um homem mandar na esposa; ela tem de obedecer. E se ela não obedecer, é "normal" ele querer castigá-la. E Celie foi ensinada que era inferior. Ela nunca olha um homem nos olhos, e chama seu marido apenas de "Sinhô". Isso mesmo, "sinhô", porque assim como um escravo era propriedade de seu dono, ela também era uma propriedade de seu marido.
Em determinado momento, Celie conhece Shug Avery, a amante de Albert. As duas são obrigadas a conviver uma com a outra, e então Celie percebe uma vivência completamente diferente da sua. Shug Avery é uma cantora famosa; ela é uma mulher rica e independente e nunca se casou; Shug Avery diz o que quer, se veste como quer, e fala o que quer, e nem Albert manda nela. E conforme as duas vão se conhecendo melhor, Celie se dá conta da falta de afeto que sempre teve em sua vida, e percebe que também é digna de amar e ser amada, de ser feliz, de sentir prazer, de fazer coisas por sua própria vontade e para se sentir bem. Ela é digna, até mesmo, de conversar com Deus.

Resenha: A Acor Púrpura
Foto compartilhada no meu Instagram durante a leitura.
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"Também foi duro ser Cristo, Shug falou. Mas ele deu conta. Lembra disso.
Não Matarás, Ele falou. E a certa ele queria inda dizer, Começando por mim.
Ele conhecia bem os idiota com que tava tratando."
Página 171.

Em primeiro lugar, preciso falar de como o texto foi estruturado. Celie teve pouca instrução. Ela fala e escreve de maneira que consideramos "errada", assim como falaria uma pessoa não letrada, e por isso o texto é todo escrito na linguagem coloquial. Por vezes, pode acontecer de ficarmos um pouco confusos, e nessas horas é interessante ler em voz alta ou sussurrando: isso facilita muito o entendimento.
Essa coloquialidade na escrita faz parte da ambientação da história. Se fosse um livro escrito em terceira pessoa, por um narrador onisciente, seria adequado usar a norma culta. Mas nós estamos lendo as cartas de Celie, e Celie escreve da forma que sabe escrever. Por isso mesmo, muitas vezes a história é contada de maneira crua, sem palavras bonitas ou eufemismos, e Celie tem dificuldade de expressar seus sentimentos. Mas tudo isso acontece por causa da falta de afeto e humanidade em que ela sempre viveu.
No início, os fatos acerca da vida de Celie. Não sabemos bem quem é sua mãe; temos dúvidas se o homem que vive com a mãe dela é mesmo padrasto ou pai de Celie; também não conhecemos bem a origem das crianças que ela cria. Mas com o tempo, tanto a própria Celie quanto nós, leitores, compreendemos todo o passado dela.
A Cor Púrpura é um livro que retrata de forma muito vívida diversas questões que ainda são muito atuais na sociedade, como o racismo, o machismo, a violência contra a mulher, o neoimperialismo praticado pelos países desenvolvidos e até o etnocentrismo.
Quando lemos a forma como Celie e outras mulheres são tratadas pelos homens que as cercam, ficamos revoltados e pensamos com certo alívio: "Ainda bem que as coisas mudam". Mas certas coisas relatadas no livro não são característica exclusiva de outras épocas. Ainda há quem pense que o marido pode definir como a esposa vai se vestir, se ela vai poder sair de casa e se vai ou não trabalhar. E ainda há quem critique as mulheres que sofrem algum tipo de violência e que não denunciam. Mas Celie foi ensinada que era inferior; ela sempre teve de fazer coisas contra sua vontade; Celie não era considerada digna de nada. Como ela poderia se rebelar, se toda a sua situação de violência sempre foi naturalizada?
É importante destacar a realidade que conhecemos através de Nettie, a irmã de Celie, que viaja para a África como missionária religiosa, e tem de aprender a lidar com a cultura do povo Olinka. Por vezes, essa diferença cultural é encarada sob vários aspectos; Celie e seus companheiros querem ensinar sobre o Cristianismo para aquele povo; mas aquelas pessoas não pediram ela viesse; não pediram para conhecer Jesus Cristo; não pediram para conhecer novos estilos de vida, novas tradições, novos costumes. E ao mesmo tempo, os Olinka estão em contato constante com os europeus, e querem possuir certo conforto que os estrangeiros possuem; e sem perceber, eles estão perdendo tudo o que conhecem, pois suas terras estão sendo tomadas por empresários e investidores europeus. Eles não compreendem como um estrangeiro pode se tornar dono daquela terra, onde eles sempre viveram, que sempre foi deles.
Essas duas realidades tão diferentes - do Sul dos Estados Unidos e de uma tribo na África - são conectadas por meio das cartas que as duas irmãs trocam. Mas não se engane com tudo que falei acima. A Cor Púrpura não é apenas um relato de dor e sofrimento. Em determinado momento, Celie se liberta de todas as coisas que a machucaram por tanto tempo, e conhece o amor, a felicidade e o segredo sobre seu passado. Nettie também protagoniza momentos emocionantes, à sua maneira. O livro guarda diversas sutilezas, principalmente no que diz respeito àquilo que os personagens não sabem como dizer.
Eu recomendo esse livro para todas as pessoas que tenham interesse em uma história emocionante; para as pessoas que tenham assistido ao filme; e para quem tenha interesse nas questões sociais abordadas na história.

Avaliação geral:

Onde comprar:

Aspectos positivos: aborda questões sociais; a linguagem utilizada completa a caracterização dos personagens e a ambientação da história; as reviravoltas da história são emocionantes.
Aspectos negativos: a coloquialidade da história pode confundir alguns leitores.

Por: Lethycia Dias

2 Comentários

  1. Tava aguardando essa resenha, de um dos meus livros favoritos desse ano.

    Arrasou como sempre, Leth. Só acho que você poderia dizer que a escrita coloquial faz parte da caracterização da personagem, já que ambientação é outra coisa, ;)

    Bjs, Hel.

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    Respostas
    1. Ai, que amor, Hel! A Lívia me disse que você também resenhou esse livro, assim que tiver um tempinho eu vou visitar!
      Fico feliz que tenha gostado. Acho que acabei mesmo confundindo essas questões sobre caracterização/ambientação. Obrigada pelo aviso!

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