Confira!

"Neste livro impressionante, Svetlana Alekisiévicth apresenta uma história ainda pouco conhecida, contada com minúcia pelas próprias personagens: as incríveis soldadas soviéticas que lutaram - com bravura e violência, mas sem perder a ternura - durante a Segunda Guerra Mundial. Um capítulo obscuro que agora ganha a luz do dia e promete trazer novo entendimento sobre um dos eventos mais trágicos da história humana."

Autora: Svetlana Aliksiévitch
Gênero: Reportagem
Número de páginas: 392
Local e data de publicação: São Paulo, 2016
Tradução: Cecília Rosas
Editora: Companhia das Letras
Onde comprar: Amazon

Mulheres que foram obrigadas a calar sua força


Mais uma vez, a faculdade me possibilitou uma leitura incrível, embora há algum tempo eu já estivesse interessada nesse livro. Na disciplina "Jornalismo Literário", que estou cursando este semestre, minha turma foi dividida em grupos que ficariam responsáveis pela leitura de livros-reportagem, para a realização de um seminário. E tive o prazer de meu grupo ter ficado incumbido da leitura de a guerra não tem rosto de mulher, um livro que eu tinha comprado há pouco tempo, e cuja leitura foi adiantada pela obrigação. Felizmente, o útil e o agradável foram unidos.
Quando pensamos em guerras e nas narrativas sobre elas (filmes, livros, músicas, fotografias, pinturas, gravuras, desenhos), nós pensamos que elas foram vividas apenas por homens, que os exércitos sempre foram instituições masculinas, e que existiram apenas uma ou outra mulher na História - raras exceções - como Joanna D'Arc ou Maria Quitéria, que lutaram disfarçadas de homem. Talvez nos lembremos também de personagens de filmes que eram enfermeiras. Mas dificilmente imaginamos mulheres no front, pegando em armas, comandando pelotões de soldados, operando tanques de guerra, armando e desarmando bombas, e depois de tudo isso, sendo condecoradas pelos seus feitos. Mas aconteceu em plena Segunda Guerra Mundial, e elas foram impedidas de falar sobre isso.
Durante a Segunda Guerra Mundial, 1 milhão de mulheres russas foram convocadas pelo Exército de seu país para lutar no front ou colaborar de forma direta ou indireta na guerra. Mas, se para os homens, a guerra é uma experiência que representa virilidade, bravura, coragem, heroísmo, da qual se deve falar com orgulho, as mulheres não sentiram a mesma coisa. Para as mulheres, a guerra foi uma experiência devastadora - física e emocionalmente, que causou medo, vergonha, repressão e até mesmo perda da própria identidade. Algumas lutaram por vontade própria, outras foram obrigadas a isso; algumas atiravam com ódio dos inimigos, outras se sentiam horrorizadas por matar alguém; algumas se casaram com homens que conheceram no front, outras viveram solitárias pelo resto da vida; algumas sentem orgulho do que fizeram, outras esconderam seu passado, pelo medo de não serem respeitadas pela sociedade. Mas todas parecem ter uma coisa em comum: o fato de terem permanecido caladas durante décadas, e de, apesar disso, nunca terem se esquecido da guerra.
A autora do livro, Svetlana Alekisiévithc, percorreu toda a Rússia ao longo de mundo tempo, entrevistando mulheres que lutaram na Segunda Guerra e colhendo seus relatos dolorosos sobre aquele tempo. Ela nos informa sobre o quanto a figura da guerra esteve presente na sua vida, nos seus estudos, nas lembranças dos mais velhos, e sobre como ninguém falava da experiência vivida pelas mulheres, que foi muito diferente da dos homens. Isso acontece porque essas mulheres foram caladas - por seus maridos, pelo governo, pela sociedade ou por elas mesmas. Não que houvesse uma proibição formal de se falar sobre isso - mas existia um acordo tácito de que não se devia falar. Somente depois de muitas décadas é que o governo começou a reconhecer seus feitos, e elas passaram se sentir preparadas para falar de suas vidas. E ao recolher esses relatos e apresentá-los ao mundo por meio deste livro, Svetlana nos possibilita uma reescrita da História, feita pelas pessoas que a viveram.

Imagem compartilhada no meu Instagram durante a leitura.
Visite @lethyd ou @loucuraporleituras e acompanhe.
"Os homens eram vencedores, heróis, noivos, a guerra era deles;
já para nós, olhavam com outros olhos. Era completamente diferente...
Vou lhe dizer, tomaram a vitória de nós."
Página 156

O livro é dividido em 17 capítulos de tamanhos variáveis (alguns relativamente curtos, outros bastante compridos), nomeados a partir de citações colhidas nos relatos. Diferente de outros livros-reportagem que já li, este livro dá maior importância às pessoas que deram entrevista, e a narração feita pela autora é mais ocasional: ela nos contextualiza nos inícios e finais de capítulos e às vezes, entre um relato de outro. Dessa forma, as citações de falas das pessoas entrevistadas são bastante compridas, se estendendo ao longo de várias páginas. Não são citações curtas incluídas em um parágrafo feito de paráfrases das informações coletadas, mas sim parágrafos inteiros, reproduzindo fielmente o que foi dito. Essa foi uma atitude muito positiva da autora, ao "apagar-se" do livro e tornar suas fontes protagonistas das próprias histórias.
Não é possível saber se, para a escrita do livro, Svetlana Aleksiévitch reproduziu as histórias completas contadas pelas suas fontes, ou apenas trechos delas. Sabemos que ela coletou inúmeros relatos, e que provavelmente nem todos foram publicados. Mas acredito que isso não prejudique a qualidade do livro e muito menos a qualidade de reprodução dos relatos.
Um dos aspectos mais importantes sobre esses relatos é que eles foram guardados por muito tempo, pois essas mulheres sentiam que não podiam falar sobre o que viveram. Muitas falam que esconderam suas medalhas e fardas, que rasgaram suas fotografias e documentos de identificação militar, pois temiam ser identificadas como mulheres que lutaram. O principal motivo disso parece ter sido o medo de não serem consideradas "mulheres respeitáveis", de não conseguirem um marido, de serem confundidas com prostitutas. Outras delas foram proibidas pelos próprios maridos de falar da experiência que viveram; a meu ver, os homens temiam que sua versão heroica da guerra fosse "maculada" pela versão dolorida das mulheres. Uma delas, durante a entrevista, foi censurada pelo marido: "Conte como eu te ensinei. Sem chorar e sem essas ninharias de mulher" (página 22). Muitos homens parecem considerar os relatos femininos desimportantes. Durante uma viagem de trem, na qual conversou com alguns passageiros sobre o livro que estava escrevendo, a autora foi questionada por um homem, que se sentiu ofendido pelo fato de ela estar entrevistando mulheres: "Guerra é coisa de homem. O que foi, por acaso tem pouco homem sobre quem escrever no seu livro?" (página 117). Há indícios de que também houvesse uma censura estrutural, promovida por instituições e pelo governo, pois a autora fala de ter tido seu livro recusado por várias editoras, pois "[...] é uma guerra terrível demais", (página 25) e "Depois de livros como esse, quem é que vai querer lutar na guerra?" (página 31) e de ter sido, inclusive, formalmente censurada, pois o conteúdo de seu livro seria "antissoviético".
Embora as mulheres sejam maioria no livro, homens também foram entrevistados ocasionalmente. Não vejo isso como uma fuga ao propósito do livro ou uma tomada de protagonismo. O número de relatos de homens é ínfimo, contando muitas vezes apenas como citações curtas, e contribui para o enriquecimento do trabalho e para a comprovação de muito do que é dito pela autora e pelas mulheres entrevistadas sobre como as mulheres e os homens viveram realidades diferentes.
Esses relatos, é claro, são múltiplos, e apresentam diversos pontos de vista. Para muitas delas, foi devastador ter sido convocada para a guerra. Outras viam a guerra como um dever patriótico (não só para os homens, mas para elas mesmas); chegavam a fugir de casa e ir aos departamentos militares, implorando para serem convocadas. Uma delas, que foi comandante de um batalhão, eliminou propositalmente todos os traços de feminilidade que pudesse apresentar, a fim de ser respeitada pelos seus subordinados; mas a maioria delas sentiu como se tivesse "deixado de ser mulher" por causa da guerra, pois eram obrigadas a usar calças e até mesmo cuecas masculinas, pois tinham seus cabelos cortados como os homens, pois passavam anos sem usar uma saia ou um vestido, e somente à noite, na hora de dormir, usavam escondidas um brinco, um batom, um sapato de salto; algumas delas falam de terem parado de menstruar, como se toda aquela experiência tivesse alterado até mesmo o funcionamento de seus corpos.
Os relatos são extremamente emocionantes e chocantes. Por isso mesmo, a leitura pode se tornar muito pesada para algumas pessoas, e é normal a necessidade de "dar um tempo" para poder continuar depois. As histórias dessas mulheres são brutais. Uma delas nos fala do momento terrível em que precisou matar o próprio filho, que chorava, para que o grupo de soldados do qual fazia parte não fosse descoberto pelo inimigo; algumas enfermeiras falam da força inexplicável de que precisavam para resgatar um soldado ferido, que muitas vezes pesava muito mais do que elas mesmas, contando também com o peso da arma, que não podia ser deixada para trás; lavadeiras falam de passar o dia lavando fardas tão cobertas de sangue seco, que chegavam a ser pesadas; uma delas fala da quantidade enorme de ratos que acompanhavam a guerra e que devoravam tudo, inclusive objetos das pessoas e até mesmo partes de pessoas vivas; uma delas fala do cheiro horrível dos corpos de pessoas e animais sendo queimandos; outra fala da aversão que sentiu à cor vermelha, depois de passar anos vendo sangue em todos lugares para onde olhava; uma delas, enfermeira, fala de como se sente ofendida ao ver enfermeiras lindas e perfeitamente arrumadas nos filmes sobre a guerra, quando na verdade ela e suas companheiras tinham os cabelos cortados, usavam calças e estavam sempre exaustas de tanto trabalhar, pois sempre havia feridos para tratar.
É um livro dolorido de ser ler e com forte carga emocional, porém extremamente necessário para reconstrução da história. Svetlana conduziu em seu trabalho uma reportagem extremamente sensível e de importância inquestionável.


Recomendo este livro para quem tem interesse em histórias sobre mulheres e com protagonismo feminino; para quem tem interesse em livros sobre a Segunda Guerra Mundial; para quem gosta de ler grandes reportagens.

Avaliação geral:


Onde comprar:

Aspectos positivos: as mulheres que foram entrevistadas para a produção do livro são realmente protagonistas de suas histórias, visto que as intervenções da autora nos relatos e na narração são poucas e ocasionais. as histórias fogem do idealismo da guerra, apresentando a face brutal e trágica, que muitas vezes é ignorada em nome de ideais nacionalistas e heroicos; os relatos das mulheres são plurais e muito diversos, proporcionando vários pontos de vista; o livro é um importante resgate histórico.
Não é aspecto negativo a ser ressaltado.

Por: Lethycia Dias



3 Comentários

  1. Que livro sensacional! Só o título já me chamou a atenção, lendo a resenha então, ela só aumentou. Parabéns pela belíssima postagem <3

    Toca da Lebre

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  2. Por favor, moça, bata um espaço entre os parágrafos, faça eles menores... Quem tem problema de visão têm dificuldade de ler blocos grandes assim, ainda mais numa tela.

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