A Rosa que me chocou
Ele chegou do nada. Estava dentro de uma caixa, no meio de muitos outros livros destinados a crianças, alguns com títulos mais interessantes e capas mais coloridas e mais bonitas. Meus colegas brigariam por eles. Achariam mais legais. Eram livros que eles quereriam ler, porque tinham desenhos engraçados, mas ele não. Ele era diferente de todos. Não era colorido, nem bonito, e muito menos engraçado. Só tinha um desenho cinzento na capa, e estava velho, desgastado. E apesar disso tudo, me pareceu interessante. Curioso. Incomum.
O momento em que o vi foi marcante. Talvez fosse o momento que decidiria definitivamente tudo o que penso sobre livros e sobre literatura. Aquele momento, tão insignificante para uma criança, ganhou dimensões impressionantes agora que posso refletir com mais sensatez sobre aquela época. Foi decisivo, porque mudou tudo. Foi o momento em que fiz uma escolha, a qual me levou a querer ler mais e mais.
Não, ele não foi o primeiro. Já escrevi antes sobre os primeiros livros que li. Mas ele foi o mais importante, pois foi aquele que me despertou o amor pela leitura. Se antes eu lia sem muito interesse, só para passar o tempo... Depois eu passei a ler com voracidade e paixão, pois era algo que passei a amar!
Havia uma garota que era doente. Uma garota que tinha uma mãe brasileira e um pai japonês, sobrevivente da explosão da bomba atômica em Hiroshima. Eu me lembro até hoje, ela era morena, mas seus olhos eram puxados. E queria ter uma boneca que fosse como ela. Que tivesse sua aparência. Uma boneca que seria sua amiga, e com quem ela poderia se identificar. Isso pode parecer bobo para um adulto, mas tem muita importância para uma criança. Tanta importância, que ela escrevia tudo num diário. Tanta importância, que estes eram os únicos detalhes dos quais me lembrava.
"Mas, oh, não se esqueçam
da rosa da rosa
da rosa de Hiroshima
a rosa hereditária
a rosa radioativa
estúpida e inválida"
Sempre que ouvia o poema de Vinícius de Moraes gravado como música por Ney Matogrosso, eu meu lembrava da história. A menina que queria uma boneca parecida com ela. A menina que tinha um diário. A menina que estava doente. E minha maior tristeza era me esforçar ao máximo, e não conseguir me lembrar de mais nada. Nenhuma outra informação me vinha à mente. Nem o título, nem o ano de publicação, nem o nome ou nacionalidade de quem o escreveu.
Mesmo assim, ele jamais deixaria de ser importante. Ainda que eu não recordasse. Ainda que eu não soubesse de nada. Eu jamais deixaria de pensar numa história que me chocou tanto, e que por isso mesmo que fez querer conhecer outras. Ele sempre teria um lugar especial, sempre teria significado.
Hoje é um dia tão marcante quanto o dia em que o encontrei. Hoje, por acaso eu descobri seu nome.
Por: Lethycia Dias