Confira!

O post de hoje do blog é algo que eu queria escrever há muito tempo. Está relacionado a livros incríveis, e escritos por uma brasileira. Não só isso. Romances históricos impressionantes que acredito que todo apreciador de literatura brasileira, ou do romance histórico, deveria conhecer. Estou falando de três obras de Ana Miranda, das quais li duas que são ambas fantásticas. Ainda pretendo ler a terceira, e mesmo sem ter lido, já acredito que seja igualmente boa.

Estou falando de Boca do Inferno, A Última Quimera e Dias & Dias, três obras da atriz, poetisa, escritora e desenhista cearense Ana Miranda, várias vezes premiada e reconhecida internacionalmente. os três são releituras, isto é, reinterpretações de obras famosas, respectivamente: os poemas de Gregório de Matos; a vida do poeta pessimista Augusto dos Anjos; e a vida do também poeta Gonçalves Dias, o famoso autor de A Canção do Exílio. Que seria uma releitura? Seria a recriação de uma obra já existente; não trata-se de apropriação do que outro autor publicou, mas sim de uma forma diferente de encarar a mesma obra, a partir de novas perspectivas. Ana Miranda faz isso de forma genial em seus romances. Antes de partir para os três livros em si, falarei um pouco sobre ela.

Biografia de Ana Miranda


Nascida em Fortaleza (CE), em 1951 em Brasília e depois radicada no Rio de Janeiro (1969), trabalhou como atriz entre os anos de 1971 e 1979 (Como é gostoso o meu francês), e foi também editora chefe da Funarte. Teve formação literária com Rubem Fonseca (1979-1989) e estudou artes plásticas da Universidade Federal de Brasília (UnB). É desenhista, e ilustra as capas de seus próprios livros.
Seu primeiro livro, uma coletânea de poemas chamada Anjos e Demônios, foi publicado em 1978. Em matéria do Jornal do Brasil de 19 de maio do ano seguinte, o crítico Fernando Py a elogia: "Anjos e Demônios é um livro que, a princípio, fala mais à sensibilidade e à emoção; seguimos os versos da autora como se fossem fruto de confessionário, com suas aparentemente ingênuas nudezas de anjos e demônios internos. Essa impressão, no entanto, vai se desfazendo aos poucos; vemos surgir, aqui e ali, uma poesia de maior densidade, especialmente em certos poemas em que a expressão atinge uma invenção feliz...". Seu primeiro e maior sucesso viria onze anos depois, com Boca do Inferno, que mescla ficção e história para traçar um panorama sobre a corrupção e as mazelas da sociedade baiana durante o período colonial brasileiro, tendo como personagens o poeta Gregório de Matos e o padre jesuíta Antônio Vieira. Traduzido para diversos idiomas em vários países, eles livro lhe rendeu o Prêmio Jabuti de revelação no ano de 1990.
Publica em seguida outros livros, como O Retrato do Rei (1991), A Última Quimera (1995), Desmundo (1996), Clarice (1996), com Clarice Lispector como personagem, Amrik (1997), sobre imigrantes árabes no Brasil, e Dias & Dias (2002), entre outros. Sobre sua obra, afirma: "A minha literatura sempre foi muito onírica. Eu crio os meus livros quando estou sonhando. Acordo no meio da noite com cenas, palavras, frases que vou anotando."

Obras publicadas:
Anjos e Demônios (poesia), José Olympio Editora/INL, Rio de Janeiro, 1978;
Celebrações do Outro (poesia), Editora Antares, Rio de Janeiro, 1983;
Boca do Inferno (romance), Editora Companhia das Letras, São Paulo, 1989;
O Retrato do Rei (romance), Companhia das Letras, São Paulo, 1991;
Sem Pecado (romance), Companhia das Letras, São Paulo, 1993;
A Última Quimera (romance), Companhia das Letras, SP, 1995;
Clarice (novela), Companhia das Letras, São Paulo, 1996;
Desmundo (romance), Companhia das Letras, SP, 1996;
Amrik (romance), Companhia das Letras, SP, 1997;
Que seja em segredo (antologia poética), Editora Dantes, Rio, 1998;
Noturnos (contos), Companhia das Letras, São Paulo, 1999;
Caderno de sonhos (diário), Editora Dantes, Rio, 2000;
Dias & Dias (romance), Companhia das Letras, SP, 2002;
Deus-dará (crônicas), Editora Casa Amarela, São Paulo, 2003;
Prece a uma aldeia perdida (poesia), Editora Record, São Paulo, 2004;
Flor do cerrado: Brasília (infanto-juvenil), Companhia das Letrinhas, São Paulo, 2004;
Lig e o gato de rabo complicado (infantil), Companhia das Letrinhas, São Paulo, 2005;
Mig, o descobridor (infantil), Editora Record, Rio de Janeiro, 2006;
Tomie, cerejeiras na noite (infanto-juvenil), Companhia das Letrinhas, São Paulo, 2006;
Lig e a casa que ri (infantil), Companhia das Letras, 2009;
Yuxin, alma (romance), Companhia das Letras, São Paulo, 2009;
Carta do tesouro (infantil e adulto), Armazém da Cultura, Fortaleza, 2010;
Mig, o sentimental (infantil), Editora Record, Rio, 2010;
Carta da vovó e do vovô (infantil e adulto), Armazém da Cultura, Fortaleza, 2012;
O peso da luz, Einstein no Ceará (novela), Armazém da Cultura, Fortaleza, 2013;

Semíramis (romance), Companhia das Letras, São Paulo, 2014.

Prêmios recebidos

1990 - Prêmio Jabuti, Revelação de romance, com Boca do Inferno;
1994 - Prêmio da Biblioteca Nacional, para A última quimera;
2003 - Prêmio Jabuti - com o romance Dias & Dias;
2003 - Prêmio da Academia Brasileira de Letras, Romance, com Dias & Dias;
2009 - Sereia de Ouro;
2010 - Green Prize of the Americas, com Yuxin

As Releituras


Boca do Inferno

Ambientado na cidade de Salvador do século XVII, retrata a corrupção e a luta pelo poder que marcaram o governo de Antonio de Souza Menezes, conhecido como Braço de Prata, e é dividido em várias partes: A Cidade, O Crime, a Vingança, a Devassa, a Queda e O Inferno. A cidade e a sociedade são muito bem caracterizadas aqui. Gregório de Matos, opositor do governo, volta à vida neste livro. O título é uma referência ao apelido que o poeta recebeu devido às suas sátiras e críticas dirigidas aos governantes e poderosos na época, também ilustradas na obra.
"Sempre tive muito encanto pela palavra, com a formação e o poder das palavras... quando eu faço um livro sobre o Gergório de Matos, na verdade o que me interessa é a linguagem dele", disse a autora, em entrevista.


A Última Quimera


Narrado em primeira pessoa por um suposto amigo de infância de Augusto dos Anjos (o poeta pessimista que incorporou o vocabulário científico à poesia no período Pré-Modernista), contando sua vida seus conflitos.  O título é inspirado no poema Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos, cujo trecho reproduzimos aqui:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!






A palavra "quimera", neste caso, não refere-se à criatura mitológica, mas aos sonhos, as fantasias e desejos individuais das pessoas. Augusto dos Anjos escreveu poemas que refletiam a maldade e a ingratidão humana, a solidão, a fugacidade da vida (que se acaba com a morte do corpo, simples matéria orgânica entregue à decomposição).

Dias & Dias:
Viajando ao interior do Brasil imperial, Dias & Dias traz a vida de Gonçalves Dias, poeta maranhense símbolo do Romantismo Brasileiro. É narrado por Feliciana, uma jovem sonhadora apaixonada por Gonçalves Dias, que o chama apenas de Antonio, e que sonha com o dia em que ele voltará para o Brasil. Através das cartas de um amigo em comum, ela sabe sobre o que ele passa no exterior, e sofre pelo amor não-correspondido. Um elemento importante é o sabiá, que se faz tão presente na vida de Feliciana, e que é o símbolo da Canção do Exílio, o sabiá que canta nas palmeiras. É repleto de lirismo e sensibilidade.

Os três livros envolveram muita pesquisa, que Ana Miranda faz com afinco. "Eu gosto do passado. Quando escrevo é como se estivesse lá. Estudo, faço os levantamentos de época, mas no texto nada disso deve aparecer, porque eu me impregno daquilo tudo, tenho que ser aquilo. Trabalho com as lacunas da história".
Os dois que li, Dias & Dias e Boca do Inferno, são maravilhosos. embora eu só tenha falado aqui de sua essência, pois o texto não se trata de uma resenha, mas simplesmente de uma indicação. Recomendo aos amantes de poesia, de literatura brasileira, de história, especialmente história do Brasil. Ainda pretendo ler A Última Quimera. Quem sabe eu possa fazer resenhá-lo? Enquanto isso, espero apenas contribuir para a descoberta desses livros tão geniais.

Por: Lethycia Dias

Fonte de pesquisa:
- Autor desconhecido. Ana Miranda. Disponível em:
- Autor desconhecido. Entrevista simultânea. Ana Miranda. Disponível em:
- Autor desconhecido. Boca do Inferno. Disponível em:
- Autor desconhecido. Boca do Inferno. Disponível em:
- Autor desconhecido. Dias e Dias, Ana Miranda. Disponível em:
- Autor desconhecido. A Última Quimera. Disponível em:

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