"A nordestina Macabéa, a protagonista de A hora da estrela, é uma mulher miserável, que mal tem consciência de existir. Depois de perder seu único elo com o mundo, uma velha tia, ela viaja para o Rio, onde aluga um quarto, se emprega como datilógrafa e gasta suas horas ouvindo a Rádio Relógio. Apaixona-se, então, por Olímpico de Jesus, um metalúrgico nordestino, que logo a trai com uma colega te trabalho. Desesperada, Macabéa consulta uma cartomante, que lhe prevê um futuro luminoso, bem diferente do que a espera. Clarice cria até um falso autor para seu livro, o narrador Redrigo S. M., mas nem assim consegue se esconder. O desejo de desaparecimento, que a morte real logo depois consolidaria, se frustra."
Por: José Castello.
Autora: Clarice Lispector
Gênero: Novela
Número de páginas: 87
Local e data de publicação: Rio de Janeiro, 1998
Editora: Rocco
"Ela acreditava em anjo"
"[...] e, porque acreditava, eles existiam".
Eis uma das frases mais conhecidas de Clarice Lispector, mesmo entre pessoas que não conhecem sua obra, e que nunca leram A hora da estrela, seu livro mais famoso e mais aclamado. Nesta obra singular, temos a história de uma mulher miserável, a nordestina Macabéa, que não possui ambições, insatisfações nem sonhos, que se julga feliz porque não tem consciência do desamparo de sua vida, e que apenas vive por viver, sem mal dar-se conta de sua existência. Deixando a cidade de Maceió e migrando para o Rio de Janeiro, ela arranja um emprego de datilógrafa, embora tivesse pouco estudo e não soubesse escrever direito. Maltratada por seu namorado, Olímpico, e também por sua colega de trabalho, Glória, ela tem seu único momento de protagonismo na história ao procurar a cartomante Madama Carlota, que lhe prevê um futuro maravilhoso.
É difícil falar de uma obra literária aparentemente simples, porém tão complexa em sua essência. Foi a terceira vez que li esse livro, e só tenho uma certeza: precisarei de uma leitura nova, e de me aventurar mais pela criação única de Clarice Lispector. Dizem que Clarice, nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira, tinha uma literatura intimista, que fazia um retrato íntimo profundo de seus personagens. Isso fez com que livros dela fossem para mim um quebra-cabeças, e confesso que não consegui ler Laços de família até o fim. Ainda pretendo terminar.
É essa escrita de Clarice, diferente de tudo que já vi antes, que me fascina e ao mesmo tempo me confunde em A hora da estrela. Não que a história da moça pouco letrada, subnutrida, maltratada, e sozinha no mundo seja algo inesperado para um enredo. Mas a criação de um narrador-fantasma, que sequer faz parte da história mas nos conta tudo com frieza e sem palavras bonitas, é o grande diferencial.
Trata-se de uma história triste, mas que ao mesmo tempo encanta. A narração de Rodrigo S.M, homem intelectual e de classe média ou rico, que um dia deparou-se na rua com uma moça nordestina de olhar perdido (a própria Macabéa, ou outra moça qualquer que lhe inspirou a história toda?), a princípio pode causar um estranhamento. Mas depois, nos acostumamos a ela, e chegamos a nos divertir com seu estilo.
Embora não pareça fazer muito sentido, A hora da estrela é um título proposital de bem justificado no momento mais importante da história, bem como seus doze outros títulos. (Sim, você leu direito!) Também aparentemente muito estranhos, todos eles se justificam no decorrer da narração, e um leitor atento pode divertir-se procurando por eles.
"Então dançou num ato de absoluta coragem, pois a tia não a entenderia.
Dançava e rodopiava porque ao estar sozinha se tornava:
l-i-v-r-e!"
Se você se assustou ao ler a ficha técnica do livro e se deparar com o gênero "novela", deve prestar atenção no que vem a seguir. A hora da estrela é uma novela por conter poucos personagens, ser uma história bem mais curta do que um romance, e desenrolar-se de uma vez só, numa sucessão de acontecimentos. É assim que a história acontece, com alguns poucos personagens: Rodrigo, Macabéa, Olímpico, Glória, Madama Carlota, com algumas menções à tia, aos pais e ao patrão, além das Marias com quem Macabéa dividia um quarto alugado. Toda a história desenrola-se de uma vez, sem divisão em capítulos. É possível lê-lo num dia só.
A metalinguagem é muito presente no livro, pois a figura de Rodrigo S.M. na verdade trata-se de um alter ego de Clarice, e quando Rodrigo nos fala de sua escrita, de sua necessidade de contar a história daquela moça que mal sabia existir - na verdade é Clarice nos falando da própria escrita. E mais: a história dentro da história. Lemos um livro onde um narrador-personagem nos promete escrever a história da moça nordestina, com direito a "gran finale". Ele sabe ser um personagem e tem consciência disso, sabe que está sendo lido, e que a história que ele escreve é construída ao mesmo tempo em que a lemos. Até pela presença do narrador, é difícil definir: primeira ou terceira pessoa? Admito que não tenho certeza!
Também não sei dizer ainda se essa terceira leitura foi o suficiente para que compreendesse o bastante a história; só sei que pretendo relê-la outra vez. O que posso dizer, entretanto, é o seguinte: não se trata de um livro agradável. O jeito cru do narrador incomoda, a insignificância de Macabea incomoda, bem como a rudeza de Olímpico, que a maltrata a todo momento, e a maldade da colega de trabalho Glória, que a considera boba. Da mesma forma, incomoda também ver Madama Carlota falando do homem que a agredia com as seguintes palavras: "Ele era meu luxo e eu até apanhava dele. Quando ele me dava uma surra eu via que ele gostava de mim, eu gostava de apanhar". Não sei qual foi a intenção da autora ao acrescentar esse elemento no passado da cartomante, mas acredito que a forma como Madama Carlota conta pode reforçar ideias equivocadas quanto à violência contra a mulher, como se por acaso existisse "mulher que gosta de apanhar". Esse trecho me incomodou profundamente.
Recomendo a leitura para quem pretende conhecer a obra de Clarice Lispector, para quem pretende conhecer a literatura brasileira do século XX, ou conhecer o período modernista da nossa literatura.
Aspectos positivos: linguagem simples, leitura rápida, obra curta, presença de metalinguagem e de reflexões interessantes feitas pelo narrador.
Aspectos negativos: a falta de divisão em capítulos e a presença do narrador-fantasma podem confundir ou incomodar alguns leitores.
Resenha maravilhosa! Esse livro é uma descoberta a cada leitura, eu o li duas vezes e ainda sinto uma incompletude toda vida que olho ele na minha estante. É estranho, mas eu pensava às vezes "será que sou uma Macabéa?" esse livro me tirou do eixo!
ResponderExcluirSobre a narrativa/escrita da Clarice, é de uma singularidade que poucos escrevem como ela. O fluxo de consciência que Clarice coloca no meio da metanarrativa é muito incômodo para quem lê o livro pela primeira vez, confesso que já havia estudado a autora antes de ler A hora da estrela, por isso não fui pega desprevenida, mas muita gente não gosta dessa característica por não entender e achar que a autora está "enrolando" para contar a estória, mas isso é justamente o que deixa o livro mais precioso.
Adorei seu texto!
Beijos!
Hel - Leituras & Gatices
Ah, obrigada pelos elogios!
ExcluirFoi uma resenha muito difícil de fazer, pelo medo de falar alguma bobagem, e receber críticas de pessoas que entendem mais do que eu. Eu espero algum dia ter a coragem de ler mais livros da Clarice, para poder compreendê-la melhor, e então ler A hora da estrela mais uma vez!
Gosto de livros com leituras fáceis, mais fico louca com capítulos maus divididos, ótima resenha.
ResponderExcluirnaoconseguiparardeler.blogspot.com
Olá, Nayane! Agradeço muito pelo comentário! Seja bem-vinda ao blog.
ExcluirAlguém pode me falar os pontos negativo e os positivo?
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