"Este livro, estreia impressionante de um jovem e talentoso escritos, é o relato pecaminoso de um decadente. A história de um homem religioso e carismático, temente a Deus, mas amante insaciável de sua própria carne exótica, a carne de outros homens. Um pastor gay, casado com uma ex-prostituta, filho de uma fanática religiosa. Neurótico e depravado. E agora condenado. Internado num hospital, debilitado e com um segredo de uma tonelada nas costas, este personagem atormentado decide libertar-se de seus demônios e relatar seu drama. Num relato cru e sem censura, ele literalmente vomita seus trinta anos de calvário e charlatanice na cara da congregação (e de quem se interesse por um bom inferno). Sexo, paranoia, corrupção e destruição são os ingredientes tóxicos dessa obra provocante, polêmica e inovadora.
Autor: Gustavo Magnani
Gênero: Memórias
Número de páginas: 227
Local e ano de publicação: São Paulo, 2015
Editora: Geração Editorial
A dor de não se amar
Há muito tempo eu não lia um livro que me chocasse e surpreendesse tanto. Numa das épocas em que temos cada vez mais dificuldade de aceitar socialmente aqueles que são diferentes de nós - e de aceitar que direitos devem ser dados a cada minoria social de acordo com suas singularidades - encontrar em plena literatura nacional um livro repleto de tanta sensibilidade, um relato tão livre, sem cortes e sem vergonhas, foi como encontrar a luz em meio a tanto preconceito e intolerância para os quais fechamos nossos olhos hoje em dia.
Gustavo Magnani é idealizador do Literatortura, um dos maiores sites literários do Brasil, e com a ousadia de seus vinte anos, nos traz um personagem caráter duvidoso, que vive uma vida dupla, e que ao se descobrir à beira da morte decide escrever suas memórias em um caderno secreto, um "diário suicida", como ele prefere chamar, onde revela todos os segredos que sua mãe e principalmente seus fiéis jamais imaginaram. É sua sentença, sua condenação, e ao mesmo tempo, sua carta de alforria: o momento de colocar para fora todo o sofrimento de anos vivendo uma vida que não desejou e da qual não tinha coragem de se libertar.
Eliseu foi criado sob as amarras rígidas de sua mãe, uma mulher que vive para e pela religião. Em outras palavras, uma fanática, que enxerga pecado e imoralidade em tudo, que divide todas as coisas entre "de Deus" ou "do diabo", e que desde sempre impôs sua vontade sobre a do filho preferido: ele havia nascido para ser pastor, estava escrito. Nada poderia mudar isso, nem mesmo a própria vontade de Eliseu, que desde criança já sabia de sua condição, e que por toda a vida se escondeu, sabendo que as pessoas de seu meio religioso sempre o condenariam. Dessa forma, ele se torna pastor, acreditando não ter outra opção; casa-se com uma mulher, mesmo amando homens; vive uma vida de mentiras, acreditando que mentir é um grande pecado, mas não maior do que o pecado de ser gay.
Completamente segmentado, o livro divide-se em quatro partes compostas por capítulos que vão e voltam sem cronologia - as memórias surgem quando querem. Às vezes curtíssimos, às vezes mais elaborados, os capítulos deslizam em lembranças felizes e amargas, sem papas na língua. Conhecemos o personagem Eliseu muito melhor do que as pessoas que o cercam. Ele disseca sua própria vida, falando de seus temores, de sua fé, de sua dedicação pela igreja, de seu amor pela esposa e pelos filhos (de certa forma, ele a ama), de seu desprezo pelo próprio pai, do medo que sempre teve de enfrentar a mãe, da inveja que sente de pessoas que, ao contrário dele, assumiram os próprios desejos. Alternando o ritmo da narrativa e do estilo, num relato agonizante de quem sabe que vai morrer, ele nos conta tudo. O pregador santo, o bom esposo e bom pai, o homem que se odeia. Essas são apenas algumas facetas do pastor gay.
"Este diário é como uma autobiografia ou carta de suicídio prolongado de quem morre aos poucos, sem ter vivido direito, inspirado por coisas que li e que vivi,
de capítulos sem ordem lógica, gosto duvidoso e linguagem questionável."
Das explicações prévias. Página 16.
Um aspecto importante sem sombra de dúvidas é o da múltipla abordagem da homossexualidade. Na maior parte do tempo, a própria narração e elaboração da história a apresenta sob a ótica do preconceito e da intolerância: (sic) "pecado, abominação"! Em outras, nós percebemos o quanto o personagem luta entre suas convicções morais e sua própria natureza. Ocasionalmente, temos referências à visão da psicologia sobre a homossexualidade, quando temos contato com a personagem Pietra. Resta ao leitor encarar o problema de acordo com suas próprias ideias. No que acreditar? Magnani não nos deixou uma resposta; cabe a nós refletir.
As grandes contradições da igreja também são questionadas em determinado momento. Eliseu, como pastor e conhecedor da Bíblia, nos fala sobre isso em várias passagens de seu diário suicida. Talvez esses trechos sejam úteis para que um leitor religioso busque reforçar aquilo em que acredita, ou, ao contrário, realçar seu senso crítico.
Em alguns momentos intenso, em outros, hilário, Ovelha - Memórias de um pastor gay é o tipo de livro que você vai ter que ler em pausas, afim de se recuperar da grande carga emocional. Entretanto, sejam lá quais forem as conclusões que você conseguirá tirar no final, uma coisa é certa: a emoção está garantida. Se não for durante toda a narrativa, com certeza será no final.
Faço minhas recomendações deste livro intenso para os leitores mais maduros, que tenham a certeza de não se incomodar com a falta de censura. Como eu disse mais acima, Eliseu nos conta tudo! E no fim, nós acabamos por entendê-lo, nos emocionamos com ele, e lamentamos por sua vida.
Aspecto positivo: narrativa rápida, linguagem coloquial, capítulos curtos, trechos íntimos e explícitos podem quebrar tabus, presença de um capítulo explicativo sobre a vida de Bianca;
Aspecto negativo: a alternância entre passado e presente pode confundir o leitor; o capítulo "O mundo dos evangélicos" (página 118) é completamente desnecessário.
Por: Lethycia Dias
Quero muito ler! Só não entra na lista de prioridades do momento. Por enquanto estou com esperanças de que ganharei um sorteio do skoob hahahahha. Amo histórias polêmicas e quebradora de tabus! Excelente resenha, Lethycia! Parabéns!
ResponderExcluirAh, fico feliz que tenha gostado da resenha e se interessado tanto, Lívia!
ExcluirQuando ganhar no sorteio (ou quando comprar) e for ler, espero que goste tanto quanto eu!