Confira!

"Não é de hoje que sabemos ser o conto uma das mais difíceis formas de literatura em prosa, devido à habilidade que cobra do autor no trato conciso da narrativa. isso o torna o gênero literário da atualidade. E, em meio a tantos autores insossos, surge-nos Cristiano Deveras, barnasiano contista de primeira linha, e nos brinda com mais uma obra. Cristiano te escrita elegante e de referência fartas. Traz-nos contos com personagens cheias de nuances psicológicas e que prendem nossa atenção em suas situações intrigantes. Numa era que quase endeusa o desleixo vocabular, vemos nos escritos deverianos o caminho de ourives com que trata nosso idioma. E, se alguém pensa que com isso encontrará na obra letras duras de palavras rebuscadas apenas por preciosismos, engana-se. Antes, vemos uma orquestra, na qual a simplicidade do bombo entoa, cúmplice, ao som do piano. Deixo vocês, pois, diante de uma obra que os envolverá com sua verossimilhança, os encantará e os intrigará com suas tramas e deixará, ao vislumbre de suas páginas finais, aquela agonia do fim e aquele desejo esperançoso de mais e mais."

Autor: Cristiano Deveras
Gênero: Contos
Número de páginas: 200
Local e ano de publicação: Goiânia, 2013
Ilustrações: José Carlos Guimarães
Editora: R&F

A incompreensível dor das horas


Logo que terminei Da minha terra à terra, tratei de reler um livro que há muito tempo repousava na minha estante, e que por dois motivos eu precisava muito reler. 1) Foi dado por uma grande amiga que é prima do autor (veio com autógrafo e tudo!); e 2) fazia um bom tempo que eu não lia contos. Além disso, quando li este livro pela primeira vez, mas ou menos dois anos atrás, eu não o compreendi muito bem, e sentia que precisava de uma releitura. Então, aqui estamos nós!
Pois então vamos direto ao ponto!
O Etéreo Ser de Carbono é um dos livros do escritor e poeta goiano Cristiano Deveras. Em vinte e uma narrativas de tamanhos e assuntos variados, ele surpreende. Seus contos giram em torno de personagens com as mais diversas origens e classes sociais, mas todos têm algo em comum: um conflito psicológico que vai se desenvolvendo de maneira sutil, às vezes sendo percebido pelo leitor apenas no último instante.
Um palhaço que leva alegria a todos, mas não é feliz; um homem que sofre por não saber como dizer a uma mulher que a ama; um romance mal-sucedido contado através de cartas; um homem arrependido por beijo; o rapaz cujo coração era de pedra; o homem que, num zoológico, chora abraçado a um leão; o garoto que faz planos cujos fins justificam os meios.
Isso é um pouco do que temos neste livro. Junto a isso, percebemos grande quantidade de referências a literatura, música e história, que denotam a bagagem cultural do autor. Tais referências aparecem de forma explícita, como no caso do primeiro conto, Sinfonia de duas vidas em dó maior, que chega a citar o adjetivo balzaquiana para referir-se a uma personagem; ou mesmo de formas não tão óbvias, como no conto Alten Teufel, que faz uma releitura da popular lenda goiana sobre Bartolomeu Bueno da Silva, o bandeirante chamado de Anhanguera ou "Diabo Velho". Da mesma forma, vemos ainda aparições inusitadas, como as de uma figura bíblica ou de personalidades históricas. A linguagem simples, muitas vezes pontuada de regionalismos ou gírias que se adaptam ao teor da narrativa, torna-se então muito enriquecida. Em alguns momentos, as histórias assumem um tom poético, repleto de lirismo.

"Ninguém conseguia acreditar no que via:
o caboclo montado em uma nuvem, solto no espaço, fazendo rodeio no céu."
Virgílio. Página 124

Algo interessante que deve ser ressaltado a respeito dos contos são as frequentes aparições da expressão "dor das horas". Os personagens de Deveras podem ter diferentes origens e enfrentar também diferentes conflitos. Entretanto, quase todos estão colocados em situações que expõem suas nuances psicológicas, e a expressão aqui citada aparece em vários dos contos.
O etéreo ser de carbono é um daqueles livros que nos exige não apenas maturidade, mas também sensibilidade e conhecimento de outras obras para poder compreender totalmente seu conteúdo. Se dois anos atrás eu não fiz uma boa leitura desses vinte e um contos, hoje eu sinto que melhorei muito. Sou outra pessoa: estou mais madura, possuo mais conhecimentos, modifiquei algumas de minhas opiniões. Isso é frequente nas nossas vidas. Conforme o tempo passa, nós mudamos, e por mais que isso não pareça importante, até mesmo a leitura de um texto ou um livro passa a ter outro significado.
Por ser um livro relativamente curto, a leitura dele pode ser rápida. Eu, por exemplo, levei cerca de uma semana. Entretanto, se um leitor mais atento quiser se aprofundar em cada uma das histórias e fazer pesquisas, talvez seja possível demorar um pouco mais.
Duas vezes premiado (vencedor do Prêmio Bolsa de publicações Hugo de Carvalho Ramos e menção honrosa no Prêmio Lucilo Varejão), Cristiano Deveras é formado em Letras e já possui várias outras publicações. É participante do Bar do Escritor, grupo de discussões literárias que existe dese 2005, criado por Geovane Iemini, e que publicou pela primeira vez em papel no ano de 2007. Aliás, eu possuo uma das antologias deles, que conta com dois textos de Cristiano:

Terceira Dose é uma das publicações do Bar do Escritor.
Nele estão presentes dois contos de Cristiano Deveras.

Este é um livro de grandes possibilidades. Além de oferecer diversas interpretações, nos traz a opção de aprimorar nossos conhecimentos. Eu o recomendo para todos aqueles se julgam sensíveis e maduros, e para quem não tem preguiça de retomar ou terminar uma leitura mal-compreendida.

Aspectos positivos: a grande quantidade de referências enriquece a leitura; adapta-se às diversas realidades do brasileiro, apresentando personagens de diferentes origens: indígenas, nordestinos, moradores de periferias, crianças, jovens, adultos; possui narrativas de grande sensibilidade.
Aspectos negativos: algumas das referências feitas não possuem nota explicativa, o que pode confundir o leitor ou deixá-lo sem entender.

Por: Lethycia Dias

8 Comentários

  1. Nossa, que diversificado! Parece ser muito bom, adoro esses conflitos psicológicos! Nunca tinha ouvido falar no livro ou no autor. Pelo seu comentário, vale a pena conhecer. Amei a resenha!

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    Respostas
    1. O livro é realmente muito diversificado, Lívia! Eu me surpreendi muito nessa segunda leitura.
      O autor não é muito conhecido, e creio que seja difícil de encontrar o livro, mas espero que você possa conhecer essa e outras obras dele.
      Agradeço pelos elogios!
      Um grande abraço!

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  2. Olá Lethycia, como vai?
    Essa sua resenha foi mesmo muito boa, ou talvez seja apenas reflexo da obra, que também parece ser daquelas que atiçam a imaginação de várias formas. Fiquei aqui imaginando que tipo de situação inusitada poderia levar um homem a chorar abraçado a um leão (uma cena surreal que, no entanto, tem uma mensagem implícita, tenho certeza, bem real rsrs).
    Faz muito tempo que não leio livro de contos, acho que o último foi O Lado B de Sérgio Augusto, que também reúne crônicas e ensaios. Muito bom.
    Grande abraço,
    Almir Albuquerque
    Panorâmica Social

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    1. Olá, Almir! Andei sentindo falta dos seus comentários. Eu acredito que esse livro seja mesmo muito rico, e que ainda terei muito para descobrir quando fizer uma terceira leitura.
      Eu não conheço esse livro do Sérgio Augusto, mas vou procurar pesquisar. Gosto muito das crônicas do Fernando Sabino, que são cheias de criatividade e humor. Indico vários livros dele!

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  3. Oi, Lethycia, tudo bem?

    Ultimamente eu tenho lido muitos contos. Acho um jeito rápido de me desligar da realidade. As histórias são rápidas e me permitem aquele escape momentâneo, sabe?
    Às vezes acontece isso mesmo...da gente ler um livro e não compreender muito bem a mensagem que ele quer transmitir. Nos falta um pouco de bagagem mesmo...
    Que bom que nessa releitura você pôde aproveitar tudo o que o livro tinha a oferecer!

    Beijo
    - Tamires
    Blog Meu Epílogo | Instagram | Facebook
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    1. É mais ou menos por esse motivo que eu gosto muito de contos, Tamires apesar de estar em falta com esse tipo de leitura. Fico impressionada com esse caráter rápido que a leitura de um conto pode ter. Algumas narrativas são impressionantes, e tudo acontece em poucas páginas!
      Agradeço pela visita! Já estou indo conferir essa promoção do seu blog!

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  4. Olá, Lethycia!

    Muito boa sua resenha do livro e que bom que já está na releitura... É o tipo de coisa que coroa os quatro anos em que construí este livro, quando decidi dar uma guinada em meus escritos (ele foi precedido por outros dois livros de contos, ambos com temáticas mais humorísticas / caóticas). Meio que uma aposta com minha editora, de que poderia escrever algo "mais sério"; acabou sendo meu livro mais premiado.

    Ainda sobre sua resenha, muito bom ao final ter listado os pontos positivos e o negativo (a falta das notas é dos pontos que discuto com meus editores, pois alguns consideram que acaba ficando "muito explicativo". De minha parte sempre gostei muito destas notinhas e aprendi bastante com elas. Vamos ver no que isso dá para o próximo trabalho).

    Para o pessoal que quer conhecer mais de meus escritos e aqui convido-os a conhecer também outros autores goianos, como Edival Lourenço (seu romance "Naqueles morros depois da chuva" foi um dos ganhadores do Prêmio Jabuti/2012) ou Valdivino Braz (um mestre na divina arte da ironia), tenho à venda na Livraria Leitura do Goiânia Shopping, na LIvraria Didática da Rua 4, Centro (Goiânia), em alguma das várias feirinhas culturais que participo (ontem mesmo estava na Feirinha de Pulgas da Oficina Cultural Geppetto, no Setor Pedro Ludovico), locais onde vendo meus livros e aproveito para um bate papo com que se arriscar a passar por lá. Tem também o canal virtual, por Facebook, podendo mandar o livro pelo correio.

    Gostaria de parabenizá-la pela página e por este trabalho que acaba auxiliando e muito os autores independentes a exporem seus trabalhos e se aproximar um pouco mais do público.

    Ah, em algum lugar acima você recomendou a leitura do Fernando Sabino; indico um de seus livros que me fez fã de contos, tanto para ler quanto para escrever: "A falta que ela me faz". Para mim, um dos melhores livros de contos já escrito. Uma aula para todo aquele que queira se aprofundar um pouco mais no tema. Anton Tchecov é outro autor que não pode faltar na lista de leitura dos amantes do conto.

    É isso, qualquer coisa estamos aí!

    ficanapaz!


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    1. Olá, Cristiano! Tenho certeza de que você teve acesso a essa resenha através da Lara. Fico muito feliz de poder ajudar, e contribuir para que as pessoas possam explorar novos autores, com estilos diferentes daqueles que já conhecemos.
      Confesso que não conheço os escritores que você indicou no comentário, mas quando tiver a oportunidade, vou ler os livros deles!
      E sobre os livros do Sabino, eu não li ainda "A falta que ela me faz", mas ele já está registrado na minha lista de futuras leituras!

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