Confira!


Sábado, 14 de maio, 11 horas da manhã em um terminal de ônibus qualquer em Goiânia. Eu me dirigia para a Rádio Universitária, pois participo de um programa feito exclusivamente por estudantes supervisionados por uma professora. Gosto de participar do programa. Embora aconteça nos sábados à tarde, é uma coisa que gosto de fazer e com a qual me divirto muito.
Em uma fila, eu aguardava o próximo ônibus em direção ao centro de Goiânia. Estava ali havia pouco tempo, mas ansiosa para que o ônibus viesse, que eu pudesse me sentar em um dos bancos e pegar o meu volume de O Iluminado para continuar a leitura.
Observo as pessoas ao redor. Algumas adolescentes. Um casal de namorados. Mães com crianças. Um ou outro idoso. É quando ele aparece. Coloca-se na fila ao meu lado, não muito atrás, de forma que posso observá-lo discretamente. É um homem magro, de aproximadamente cinquenta anos, com cabelo e barba grisalhos. Ele segura nas mãos uma Bíblia grande, daquelas de capa preta, já mole de tão usada, cheia de anotações e rabiscos. Até então, nada de novo para mim. Com uma olhada mais atenta, percebo o fator estranho: ele sustenta a bíblia com apenas uma das mãos, como se fosse um garçom levando a bandeja até a mesa mais próxima; com a outra, segura sobre uma lupa de tamanho médio, apoiada sobre a bíblia. Ele a movimenta de leve sobre a página, acompanhando a leitura. Fico observando-o por mais tempo do que o dedicado às outras pessoas.
O ônibus se aproxima, estaciona e abre a porta de trás bem em frente à fila na qual estou. Entro, acompanhada por todas as outras pessoas, e me sento em um banco duplo, no lado da janela, que é meu preferido. Uma das vantagens da aula do programa de rádio aos sábados é que o ônibus não costuma ir muito cheio. Tiro de dentro da bolsa o meu livro, e coloco meus óculos. Estou louca para descobrir mais sobre o Overlook, para entender melhor a "iluminação" de Danny Torrance e para levar alguns sustos.
O homem da bíblia senta-se ao meu lado, e continua sua leitura. Adio a continuação da minha por alguns momentos, para prestar mais atenção. A bíblia dele é uma daquelas com páginas coloridas nas laterais, que juntas formam uma grande massa de finas páginas avermelhadas. Não faço a menor ideia de em qual parte ele está, porque realmente não entendo de bíblias. Mas percebo que a fonte usada naquela edição é relativamente grande, maior do que a fonte usada no meu livro. Eu olho mais uma vez para o meu volume, e comparo. É mesmo maior.
Ele não me olha nem uma vez. Continua usando a lupa para auxiliar a leitura, acompanhando vagarosamente o seu avanço. Faz barulho de papel amassando ao virar as páginas finas. Olho para ele, e me pergunto se usa óculos. Onde estaria o instrumento de melhoria da visão? Estaria por acaso encomendando um novo? E qual seria o grau do seu problema de visão?
O ônibus se move, e volto ao meu livro. Eu e o homem da bíblia permanecemos ocupados em nossos mundos, dois leitores lado a lado com diferentes pensamentos e objetivos.
Quando chegamos ao próximo terminal, onde preciso embarcar em outro veículo, faço menção de me levantar e ele me dá espaço. Saio apressada, pois ainda preciso almoçar antes de chegar à Rádio Universitária. Parece que me esqueci completamente do homem da bíblia, mas sigo lendo, e vez ou outra penso nele. Tenho astigmatismo com grau muito fraco, e posso enxergar perfeitamente sem óculos. Preciso dele apenas para computador, leitura, televisão e celular. Fico me perguntando o que acontece àquele homem enquanto lê. Será que as palavras parecem embaçadas? As linhas se confundem? E me pergunto quanto tempo ele levará para arranjar seus óculos de grau. Espero que não demore.

Por: Lethycia Dias.

4 Comentários

  1. Imagino o esforço de se precisar de uma lupa para ler. Imagino também o quão importante para aquele idoso é a leitura desse livro. Eu creio que a Bíblia possui uma fonte inesgotável de informação do alto para baixo.

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    1. Olá, Marcelo. Acho que no texto demonstrei que não tenho muita proximidade com a Bíblia, mas sei que para algumas pessoas é o livro mais importante que há. Não me passou pela cabeça que para ele estar lendo com uma lupa, a Bíblia deveria ter essa importância toda. Foi interessante você ter notado isso.

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  2. É interessante como às vezes reparamos em fatos relativamente comuns. E você tem um talento especial em observar isso e transformar num texto tão bom. Parabéns!

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    1. Ahhh, muito obrigada!
      Eu não andava muito de ônibus antes de mudar para Goiânia. Aqui, comecei a ficar observando muito as outras pessoas. De vez em quando acontece uma coisa como essa! kkkk

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