Confira!

"A marca na parede e outros contos reúne alguns dos textos curtos mais significativos da obra de Virgínia Woolf. Escritas entre 1917 e 1941, as histórias foram produzidas, em sua maioria, no conturbado período do entreguerras, sob o impacto de mudanças cujos ecos tiveram efeito direto na experiência sensível da escritora. Em "Uma sociedade", a autora refuta o lugar intelectualmente inferiorizado conferido às mulheres na época; "Segunda ou terça" narra impressões do cotidiano de maneira nada óbvia; "O vestido novo" mostra ao leitor a investigação típica de Wolf acerca do sentido e forma dos fluxos de consciência. Cada um destes contos dá provas da grande qualidade literária que fez de Virgínia Woolf uma das mais importantes escritoras do século XX."

Autora: Virginia Woolf
Gênero: Contos
Número de páginas: 288
Local e data de publicação: São Paulo, 2015
Editora: Cosac Naify
Tradução: Leonardo Fróes


Leveza, sutileza, delicadeza


Depois de ler As Ondas, no ano passado (clique aqui para ler a resenha), fiquei interessada em conhecer um pouco mais a escrita de Virginia Woolf. A leitura foi imersiva, exigindo um atenção especial para tudo que pudesse estar escondido nas frases e na escolha das palavras. E foi com a mesma expectativa que comprei A marca na parede e outros contos, para experimentar um pouco mais das teias sutis que ela parecia ter criado em suas histórias.
A marca na parede e outros contos inclui 21 contos, separados pela ordem cronológica em que foram escritos, e um ensaio de Virginia Woolf, intitulado Ficção moderna. Como nunca li muito sobre crítica literária, essa resenha será voltada aos contos.
As histórias apresentadas neste volume, embora tenham todas o mesmo tom poético, giram em torno de temas muito diferentes: Um homem que começa a colecionar objetos de textura e formato curiosos, e se torna incompreendido pelas pessoas que conhece; dois fantasmas que habitam uma casa, e que estão à procura de algo especial; uma amostra do quanto a baixa autoestima pode afetar uma pessoa; o relacionamento que desabrocha entre uma professora de piano e uma de suas alunas.

Foto compartilhada no meu Instagram durante a leitura.

"Ela viu Julia abrir os braços; viu-a abrasar-se; viu-a crepitar.
Vinda da noite ela ardeu como uma estrela branca e morta.
Julia a beijou. Julia a possuiu."
Página 194.

As vezes partindo de pontos inusitados; as vezes apresentando conclusões e soluções inesperadas, as histórias se desenrolam com leveza e muita inspiração. Não posso revelar muito sobre os contos, mas posso compartilhar com vocês algo que os admiradores de Virginia Woolf com certeza devem entender: precisei ler algumas das histórias mais de uma vez. Virginia Woolf tem uma escrita simples, que se desenrola como uma linha, mas ao mesmo tempo muito profunda, pois nas entrelinhas há muito mais do que aquilo que estamos lendo. Uma frase marcante, um devaneio do personagem, a escolha de uma palavra. Com certeza, tudo escrito de forma proposital, com genialidade.
Alguns dos contos foram como enigmas para mim, e durante a leitura eu me ocupei em tentar desvendá-los. Me diverti com Uma sociedade, em que um grupo de mulheres passa a investigar a qualidade dos trabalhos intelectuais produzidos por homens. A ironia do conto se faz presente no trecho: "'Se não tivéssemos aprendido a ler', disse ela amargamente, 'ainda poderíamos estar tendo filhos na ignorância, e afinal essa seria, creio eu, a mais feliz das vidas'" (Página 105). Fiquei intrigada com os acontecimentos dos contos O vestido novo, A apresentação, Juntos e à parte e O homem que amava sua espécie, que parecem acontecer na mesma noite, durante a mesma festa, dada pelo casal Dalloway. A diferença entre eles estaria nos pontos de vista dos convidados, que não chegam a interagir uns com os outros. O conto Lappin e Lapinova foi com certeza o que ficou na minha mente por mais tempo. Não sei se estou correta, mas eu o interpretei como uma crítica ao casamento e à vida familiar, em forma de metáfora.
Também fiquei muito surpresa com o conto Momentos de ser: "pinos de telha não têm pontas", que transita entre as aulas de piano ministradas por Julia Craye e os devaneios e lembranças de sua aluna, Fanny Wilmot, até chegar ao momento crucial, que eu quase não acreditei que fazia parte de um conto escrito na primeira metade do século XX: a revelação de um relacionamento entre duas mulheres. O momento é leve e bonito, e torna o conto encantador. Fiquei imaginando o escândalo que o conto deve ter causado na época em que foi escrito, e creio que Virginia foi corajosa ao publicar essa história.

Foto de Virginia Woolf presente no início do livro.

A leitura foi lenta, devido à necessidade de prestar bastante atenção às sutilezas das histórias. Muitas delas eu não compreendi por completo, e tenho certeza de que vão exigir uma segunda leitura, quando eu estiver mais amadurecida. Entretanto, foi uma descoberta maravilhosa, e sei que no futuro, quando este livro for relido, vou continuar admirando a autora.
 As únicas críticas que tenho sobre o livro são em relação à falta de notas da editora. Em muitos momentos, o texto cita lugares na Inglaterra ou em Londres que o leitor brasileiro provavelmente não deve conhecer, e também há citações de nomes de escritores e poetas, muitos deles desconhecidos para nós. Explicações sobre isso poderiam tornar a leitura mais clara, e para mim, essa foi uma falha da editora. Outra coisa que me desagradou foi o fato de que a ficha técnica do livro está presente no final do volume, em uma das últimas páginas. Até o momento de escrever essa resenha, eu acreditava que simplesmente não havia ficha técnica.

Foto de Virginia Woolf presente no final do livro.

Apesar disso, fiquei satisfeita por ter recorrido a essa edição. O texto sobre a vida da autora, presente nas últimas páginas, apresenta informações que eu sequer imaginava sobre sua vida. Além disso, a edição ainda conta com uma extensa lista de recomendações de leitura que podem ser muito úteis para quem deseja estudar a obra de Virginia Woolf.
Recomendo este livro para quem gosta de histórias intimistas e para quem já leu outros livros da autora.

Aspectos positivos: separação dos contos de acordo com as datas em que foram escritos; reflexões sobre o papel da mulher na sociedade; a edição conta com um ótimo texto biográfico sobre a autora, e várias recomendações de leitura para quem queira se aprofundar.
Aspectos negativos: falta de notas explicativas; a ficha técnica da obra se encontra no fim do livro, o que pode confundir leitores que estejam à procura das informações sobre o exemplar.

Avaliação geral:

Por: Lethycia Dias

10 Comentários

  1. Adorei a resenha! Sou curiosa pela Virginia Woolf e fiquei bem afim de ler o livro.

    www.malusilva.com.br

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    1. Muito obrigada pelo carinho, Malu! Virginia Woolf tem sido uma descoberta para mim, e creio que vou gostar de ler outros livros dela. Eu com certeza recomendo esse! :)

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  2. Lethycia, fiquei muito interessada nesses contos porque, primeiramente, adoro a Virginia e, segundo, porque adoro esse gênero narrativo. Ademais, um dos aspectos que gostei na escrita dela foi essa crítica nada velada dos papéis atribuídos às mulheres da época dela que, infelizmente, ainda se aplicam um pouco a nossa geração. E, parece-me, que estes aspectos também se encontram nesses contos.

    Beijinhos, Hel - Leituras & Gatices

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    1. Olá, Helena! Também gosto muito de contos, são um gênero incrível e cheio de possibilidades. Quando li "As ondas", eu não tinha percebido esse tipo de crítica, e até então não sabia nada sobre a autora. Mas quando li a sua resenha de "Orlando", foi que fiquei realmente interessada em Virginia Woolf, e até comprei o livro, que está aqui só esperando para ser lido.
      Fico feliz que tenha gostado da resenha. Espero que leia o livro e compartilhe suas impressões!

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  3. Oi, tudo bem?

    Eu tô apaixonada pela Virginia Woolf desde que li também As Ondas, em abril. Ouvi falar cagamente desse livro de contos dela e a sua resenha me deixou com muita vontade de ler, porque é a primeira que leio. O que mais amo na escrita dela são as epifanias nas entrelinhas e a introspecção. Gosto muito desse tipo de narrativa, porque gosto muito dessa imersão interna. Quanto ao conto sobre duas mulheres, pra mim é bem normal isso vindo dela, porque segundo biografias ela era bissexual e foi apaixonada por uma moça (inclusive, o romance entre elas vai ganhar filme e tô muito feliz *-*).
    Tô pra ler Mrs. Dalloway, mas acho que nem um outro livro dela vai superar As Ondas na minha vida <3

    Love, Nina.
    ninaeuma.blogspot.com

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    1. Olá, Nina!
      Fico feliz que esteja de volta ao blog! Também fico mais feliz ainda de saber que a minha resenha despertou o seu interesse de uma forma tão profunda. Confesso que não sou muito acostumada a esse tipo de livro, então a leitura é um desafio. Acho Virginia Woolf e Clarice Lispector bem parecidas, e não me dou muito bem com Clarice, então ao pegar um livro de uma delas, me sinto como se estivesse saindo da zona de conforto para conhecer uma coisa que todos dizem ser muito boa (e realmente é!).
      Eu não sabia que a Virginia era bissexual. Foi depois de ler o conto que busquei informação sobre isso, e li na resenha de algum livro sobre o romance que ela teve com outra mulher. Eu também não sabia sobre esse futuro filme, mas vou pesquisar a respeito, e sei que já tenho vontade de assistir! <3
      Agradeço pela visita e pelo carinho com esse comentário. Estou curiosa sobre Mrs. Dalloway por causa dos personagens nos três contos em que havia uma festa. Vou esperar ansiosa pela sua resenha do livro!

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  4. Nossa adorei a resenha, nunca li. Mas fiquei curiosa para ler.

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    1. Fico feliz que tenha gostado, e agradeço pelo comentário. Leia mesmo, é muito bom!

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  5. Lethycia, vai falir meu orçamento ainda com tanta recomendação boa de livros! Sou louca para conhecer a obra de Virginia Woolf, vejo você, a Helena e outros blogueiros que admiro falando tão bem e eu nunca li nada da autora... :/ acho que um livro de contos é um bom começo né?
    Beijos! Amei a resenha!

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    1. Oi, Lívia! Haha, acho que essa de sempre deixar o outro com vontade de ler o mesmo livro que a gente é uma coisa que todos nós fazemos. Volta e meia eu fico com vontade de ler algum livro resenhado por você ou por outra pessoa! kkkk
      Acho que seria uma boa escolha sim. Comparando a dificuldade dessa leitura com a do livro "As ondas", que foi o primeiro dela que li, acho que esse seria melhor.
      Obrigada por tudo! :)

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